Entrevista: Desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes, Corregedor-Geral de Justiça do Amazonas
À frente da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas desde janeiro deste ano, o desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes valoriza ferramentas como a orientação para fazer com que o Poder Judiciário tenha maior eficiência na sua missão de levar Justiça para todos.
O desembargador avalia que o avanço crescente da judicialização, com a multiplicação de processos judiciais, traz um desafio constante para as Cortes Judiciárias que precisam dar respostas céleres para as demandas da população.
Entre as ações destacadas na sua gestão, o desembargador Jomar Fernandes lembra da Semana Nacional do Registro Civil (Registre-se) que chamou a atenção para uma população considerada “invisível” no país, aquele indivíduo que não possui nenhum tipo de documento.
O Corregedor-Geral de Justiça falou também sobre o concurso público que está sendo elaborado e sobre sua atuação na comissão organizadora do certame. “A nossa intenção é ter a maior celeridade possível, seguindo rigorosamente as recomendações do Conselho Nacional de Justiça, para que o edital seja concluído e o concurso seja lançado em breve”, afirmou.
A seguir, você pode ler a entrevista completa com o desembargador:
Jornal do Commercio – Qual a importância da Corregedoria para a eficiência de um tribunal?
Desembargador Jomar Fernandes: O nosso Regimento Interno define a Corregedoria como um órgão fiscalizador, que observa a disciplina administrativa do Poder Judiciário. Embora, o nosso principal papel, na minha opinião, aquele que realmente faz a diferença para que o Poder Judiciário tenha maior eficiência na prestação jurisdicional, atingindo o cidadão que procurou a Justiça para assegurar direitos, é o da orientação. Não é o da repressão. Há um tempo atrás, o ministro João Otávio de Noronha, quando estava como presidente do STJ, disse que a qualidade do Judiciário perpassa pelo trabalho preventivo da Corregedoria, no sentido de orientar magistrados e servidores em suas atribuições para fortalecer o seu compromisso com a Justiça. Justamente por isso temos buscado priorizar o aperfeiçoamento permanente por meio da orientação, da transparência e da responsabilidade com a prestação jurisdicional, sempre alinhado às diretrizes da Presidência do Tribunal e da Corregedoria Nacional de Justiça.
Jornal do Commercio – Na sua avaliação, quais os maiores desafios das Corregedorias para cumprir com diligência a sua missão?
Desembargador Jomar Fernandes: Acredito que o maior desafio para o Poder Judiciário como um todo continua sendo a altíssima demanda processual no Brasil. O total de processos em tramitação na Justiça brasileiro em 2021 estava em 77,3 milhões. Este dado consta no Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça. Os nossos magistrados e servidores cumprem seu trabalho com zelo e presteza, porém, por mais que tenhamos ações que incentivem a não judicialização como, por exemplo, as conciliações, os processos judiciais continuam em ordem crescente. Situação esta que impacta diretamente nas Corregedorias, uma vez que uma das atribuições dos órgãos correcionais é justamente a de receber, processar e decidir as reclamações contra servidores e magistrados e isso, fatalmente, acontece quando o Judiciário não consegue ter a celeridade necessária para o julgamento dos processos diante do gigantesco volume de ações na Justiça.
Jornal do Commercio – O senhor assumiu a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas em janeiro deste ano, integrando a gestão que estará à frente da Corte de Justiça Estadual nesses dois anos. Já é possível destacar as principais ações realizadas nesses primeiros seis meses de trabalho na CGJ?
Desembargador Jomar Fernandes: Estamos trabalhando com uma equipe muito comprometida e os resultados são significativos, mesmo em tão pouco tempo. Em duas de nossas ações, por exemplo, além de edificantes e inspiradoras, tivemos muita repercussão, inclusive nacional – a primeira delas, a Semana Nacional do Registro Civil (Registre-se) e que chamou a atenção para uma população considerada “invisível” no País, pois envolve aquele indivíduo que não possui nenhum tipo de documento e, consequentemente, sem possibilidade de acesso a serviços básicos e a benefícios governamentais. Essa ação foi voltada às pessoas socialmente vulneráveis, no caso as em situação de rua, os povos indígenas, ribeirinhos e refugiados; e a segunda, a Correição Extraordinária em São Gabriel da Cachoeira, a primeira da Corregedoria a ser voltada exclusivamente aos povos originários e justamente no município considerado o mais indígena do Brasil.
No caso do Registre-se, realizado em maio, na cidade de Manaus, com a parceria de 45 órgãos e entidades, os resultados superaram todas as nossas expectativas porque tivemos quase 11 mil atendimentos – o maior quantitativo registrado no País, segundo o CNJ, pois a ação foi realizada simultaneamente por todas as Corregedorias dos Tribunais Estaduais. Durante os cinco dias de trabalho, muitas histórias comoventes foram reveladas, de pessoas que conseguiram, pela primeira vez, a sua Certidão de Nascimento, além de outros documentos, proporcionando um grande passo ao fortalecimento da sua cidadania, o que foi extremamente gratificante para todos nós que participamos desse momento.
E na Correição Extraordinária em São Gabriel da Cachoeira, acompanhada in loco pelo corregedor nacional de Justiça, o ministro Luis Felipe Salomão, e sua equipe, verificamos a atuação judicial e dos serviços notariais e de registro em ações que envolviam os direitos dos povos indígenas. Inclusive, aproveitamos a presença do corregedor nacional para assinar três Provimentos (n.º 435/2023, n.º 436/2023 e n.º 437/2023) que proporcionarão importantes avanços nos procedimentos judiciais relacionados às populações originárias.
Jornal do Commercio – Os investimentos em digitalização e tecnologia seguem avançando na estrutura do Judiciário. O que isso gerou de alteração na atuação dos agentes do direito?
Desembargador Jomar Fernandes: É importante lembrar que o Tribunal de Justiça do Amazonas foi o primeiro do Brasil a ter 100% do seu acervo virtualizado. É fato que as dimensões do nosso estado, com inúmeras peculiaridades geográficas e climáticas, que nos impõem desafios para resolver questões logísticas, a tecnologia da informação, é fundamental ao andamento das ações judiciais. A implantação da virtualização das Comarcas nos trouxe como um dos legados, a exclusão das populações do interior de um isolamento secular. Hoje, conseguimos realizar audiência com participação do réu, ou do representante do Ministério Público, ou da defesa, por meio virtual. E a Corregedoria tem acompanhado em tempo real a produtividade do magistrado e o andamento das atividades nas unidades judiciais. É facilidade para todos os envolvidos em um processo judicial. Hoje, já colhemos os bons frutos, um deles é a redução no tempo de tramitação em relação aos processos físicos, que diminuiu entre 50% e 70%, dependendo do tipo da ação.
Jornal do Commercio – A inteligência artificial vem conquistando espaço e substituindo até mesmo profissionais. Há algum tipo de conflito ético na utilização desses recursos? Isso é motivo de preocupação na sua avaliação?
Desembargador Jomar Fernandes: A Inteligência Artificial é algo que não deverá retroceder. Mas nos deixa em expectativa, pois atreladas a esse tema estão diversas interrogações ainda sem respostas. De forma geral, as ferramentas tecnológicas têm esse papel de auxiliar a atividade cotidiana – a virtualização, que falamos há pouco, é um exemplo, refletindo em economia de tempo e de recursos. Mas, no caso da Inteligência Artificial, há diferença. Enquanto que numa atividade tecnológica comum, o ser humano está no comando, definindo as tarefas, a Inteligência Artificial cria sistemas que simulam a inteligência humana, ou seja, “máquinas que aprendem”, poderiam “pensar”. E como fica o cidadão que procura a Justiça para assegurar direitos, vai querer ser julgado pela AI? Ele terá direito de ser comunicado sobre isso? Poderá recursar? Na verdade, existe muita coisa acontecendo e de forma acelerada, sem que as pessoas consigam acompanhar e até refletir como determinadas ferramentas impactarão na sua rotina – presente e futura.
Jornal do Commercio – A estrutura hoje do TJAM é suficiente para a missão de levar Justiça com qualidade ao maior Estado do Brasil?
Desembargador Jomar Fernandes: Não é suficiente. Possuímos um déficit que gira em torno de 40% de servidores e magistrados. Nesse momento, estou presidindo a Comissão Organizadora do Concurso para a Magistratura do Judiciário do Amazonas (COCM/TJAM) que está preparando o próximo certame para o cargo de juiz substituto do TJAM. A nossa intenção é ter a maior celeridade possível, seguindo rigorosamente as recomendações do Conselho Nacional de Justiça, para que o edital seja concluído e o concurso seja lançado em breve.