Um dos grandes enigmas da política nacional – bem como de todos os países democráticos e multipartidários – diz respeito à formação dos governos.
Construir governo não é um exercício nada fácil, pois envolve um minucioso cálculo que leva em conta: formação de uma base partidária que esteja apta a tomar decisões políticas, a fim de propiciar a governabilidade, a interação entre o Executivo e o Legislativo e a composição dos gabinetes de apoio ao Executivo.
Na prática, os ministérios multipartidários no presidencialismo e no parlamentarismo funcionam como um aglutinador de forças políticas, onde se destaca o papel de formateur, que cumprem duas funções: manufaturar maiorias duráveis na arena legislativa e condicionar a existência da governabilidade da coalizão legislativa vitoriosa.
Os ministérios presidenciais e parlamentares criam, portanto, os alicerces da coordenação entre a participação política dos jogadores individuais e coletivos, bem como também certificam a eficiência político-decisória da ação governamental.
No entanto, as semelhanças existentes entre os ministérios presidencialistas e parlamentaristas ficam por aqui. Enquanto nos ministérios parlamentaristas cada partido pertencente à coalizão legislativa indica os membros que vão compor a equipe ministerial, no contexto do presidencialismo este papel cabe exclusivamente ao presidente da República.
O presidente tem o papel constitucional de nomear e exonerar os membros de sua equipe ministerial sem ter de prestar conta com o parlamento ou mesmo a sua coalizão legislativa (assumindo, é claro, alguns custos inerentes à sua decisão). O controle presidencial da nomeação e exoneração da sua equipe ministerial é, portanto, uma característica fundamental no regime presidencial.
Ocorre, por outro lado, que apesar da independência e do controle da nomeação e exoneração dos membros do gabinete presidencial, os presidentes também são constrangidos pelas circunstâncias e pela contingência política ao firmar coalizões eficientes com os parlamentares.
E, nesse caso, a moeda de troca mais prestigiada é a participação dos partidos da coalizão presidencial no controle de algumas pastas ministeriais – nesse caso, a racionalidade política dos gabinetes presidenciais se aproxima e muito do que se tem visto nos contextos parlamentaristas. Isso implica dizer que a formação de gabinetes no experimento multipartidário segue uma tendência muito próxima a lógica de distribuição de pastas ministeriais do sistema parlamentarista.
Esta tendência não escapa a regra do ultrapresidencialismo estadual. Os secretários de estado, assim como os ministros presidenciais e parlamentares, comportam-se como agentes estratégicos na coordenação política da relação entre o governador e os deputados estaduais (comportamento office-seeking), e na promoção de eficientes políticas sociais, públicas e econômicas (comportamento policy-seeking).
Porém, no contexto do ultrapresidencialismo estadual, onde o impacto do poder de agenda e de distribuição assimétrica de patronagem é mais durável, os secretários devem prestar conta de suas ações junto ao governador, e não necessariamente ao partido, que neste caso, pela causalidade das preferências ordenadas, vem em segundo lugar plano.
Como não poderia ser de outra forma, o governador consegue controlar a agenda coletiva dos parlamentares e dos secretários, unificando em torno de sua própria agenda decisória as prioridades públicas em questão.
É só por meio desse instigante mecanismo que o governo se torna possível. O cálculo do consentimento é a lógica de sobrevivência do sistema político e da própria democracia.
*Breno Rodrigo é cientista político.