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Necrópole das letras

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A indústria do livro está passando por uma profunda crise. Não estou muito certo, mas é possível estarmos diante da mais severa crise do livro desde sua invenção como objeto de consumo de massa desde o advento da imprensa de Gutenberg.

A invenção do livro comercial, com a universalização da imprensa a partir do mundo europeu, foi fundamental, para a popularização da educação, com a criação de escolas e universidades, jornais e editoras.

Manaus não poderia ficar de fora da grande epopeia livresca. O Ciclo da Borracha, quando os ares da Belle Époque invadiram a bucólica capital do Amazonas, foi também o início da vida intelectual na cidade. Cafés, arte de vanguarda, positivismo, literatura francesa, paisagismo urbano se entrelaçavam numa tentativa de se criar uma civilização burguesa no meio da selva amazônica.

É claro que o propósito dessa memória não é pagar uma conta com o passado ou contar uma longa história de nossa vida intelectual. A imagem que quero registrar aqui é um pouco daquilo que vivi no meu próprio amadurecimento intelectual.

Depois de muito tempo resolvi fazer um passeio socrático nos arredores do centro da cidade. Percebi lá a real dimensão de nossa indigência espiritual: um espaço comercial vazio de experiência cultural e literária.

As antigas livrarias – Brasileira, Maíra, Colegial, Livraria 7, Sebão Manaus, Maia, Brito, Cabocla, Nacional, Pégasus, Arqueólogo, Nobel, Alfarrábio, Acadêmica, República, Valer, Aquarius, O Traça, Qua Non, O Alienista – desaparecem diante de nossos olhos. Sem leitores, sem livros. Um mercado de ideias, outrora pujante, foi reduzido até desaparecer.

Nos tempos de graduação, eu frequentei com assiduidade aquele que considero o melhor sebo de Manaus, o Arqueólogo. Não apenas um sebo convencional, mas um manancial de cultura. Era o espaço da cultura erudita (livros antigos, esgotados e novos), da cultura popular (discos de vinil, DVDs e CDs), e também da cultura nerd/geek. Os primeiros jogos de cartas, estilo RPG e afins, foram jogados nas dependência da Arqueólogo. Aquilo nunca fez muito sentido para mim, mas certamente era um deleite para os aficionados por estórias de fantasia ou contos fantásticos dos tempos imemoriais.

O Arqueólogo era uma referência cultural e literária de peso na cidade. Não devemos nos esquecer que outros espaços literários igualmente importantes, com destaque para o sebo A República. A oferta de livros era grande por lá. Era possível encontrar coleções inteiras de Os Pensadores, Os Economistas, e livros de grandes editoras nacionais e internacionais. Além dos livros em português, comprei livros em espanhol e inglês. E os preços? Acessíveis; sem falar dos descontos.

No meu passeio socrático pelo centro, lembrei-me vivamente desses dias. O hábito de ir ao sebo, normalmente depois da aula, e comprar livros, experienciar a procura de livro por livro foi substituída pelas livrarias virtuais. O meu sebão favorito hoje é a Estante Virtual, um consórcio de sebos de todo o país reunidos numa mesma plataforma digital. Um negócio lucrativo, completo e eficiente, mas sem o romantismo de se ter contato com o material; ali, diante de suas olhos como uma descoberta. Também uso com regularidade o site da Amazon (hoje, a empresa mais valiosa do mundo) para acompanhar os lançamentos editoriais.

Em alguns anos presenciei uma revolução profunda na economia do livro. Uma transformação que matou o livro e a possibilidade da circulação rápida e fácil nos grandes centros urbanos. É uma pena. Confesso que também perdi um pedaço de mim.           

*Breno Rodrigo é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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