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Não existe Direito pela metade

A democracia como condição de desenvolvimento de um povo e de uma nação nos possibilita o exercício da liberdade de expressão e a livre manifestação de ideias, direitos esses que funcionam como sustentáculos do próprio sistema democrático. Mas tais direitos devem respeitar determinados limites. Essa é uma exigência do bom convívio comunitário.

As declarações do deputado Daniel Silveira extrapolam a imunidade material, mas as providências tomadas pelas autoridades judiciais para dar uma resposta ao fato praticado pelo parlamentar podem ser duramente criticadas pela dogmática jurídica.

A prisão administrativa no Brasil é uma medida excepcional, pois a regra é a autoridade judiciária, por ordem escrita e fundamentada mandar prender alguém (vide o artigo 5º, inciso LXI, da nossa Carta Política). A prisão em flagrante é uma exceção a esse mandamento constitucional. No caso em tela, o STF emitiu um mandado de prisão para realizar a prisão em flagrante do deputado. Algo incomum para se dizer o mínimo.

O ideal teria sido esperar a Câmara dos Deputados validar ou não a prisão em flagrante e só depois de validada, dar prosseguimento com a realização da audiência de custódia para que se pudesse decidir sobre a prisão preventiva ou a substituição de medidas cautelares diversas da prisão (em conformidade com o artigo 319 do Código de Processo Penal).

Ademais, cabe destacar que, na hipótese de se considerar que a imunidade material deve ser afastada por não ter a conduta do deputado federal relação com as funções, não deveria ser aplicada o foro por prerrogativa de função, o qual inclui somente os crimes cometidos no exercício da função ou em razão dela, na ótica do Supremo Tribunal Federal.

Ainda em relação ao caso específico de Daniel Silveira, a própria investigação foi instaurada no Inquérito das Fake News, que, de forma bem nítida, é uma clara ofensa ao estilo acusatório de processo penal, uma vez que a autoridade que investiga será a mesma que irá julgar. Onde fica o princípio do juiz imparcial? Se a Constituição demarcou as funções de cada agente da persecução criminal, deve-se respeitar esse desenho normativo.     

Se um agente praticou crimes por meio de declarações manifestamente ofensivas contra membros da mais alta corte, devemos nos empenhar em apurar o fato praticado e dar uma resposta jurídica adequada ao caso, mas sem atropelar a normativa constitucional e processual penal, pois essas são a nossa âncora para evitar que fiquemos ao sabor das correntezas e dos ventos do autoritarismo.

O Direito foi criado para lutar contra o arbítrio. Mas, em nome da própria aplicação dele, não podemos nos dar ao luxo de abreviar o procedimento sem amparo normativo e constitucional e nem podemos também admitir a sua aplicabilidade pela metade. Assim como não existe ética pela metade, também não existe Direito pela metade. Portanto, devemos permanecer no Estado de Direito.

Foto/Destaque: Divulgação

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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