Uma porta de saída do Bolsa Família pode ser exatamente outra porta – a de entrada das famílias pobres no empreendedorismo formal. Dos 3,8 milhões de MEI (Microempreendedores Individuais) do país registrados até abril, 10% são beneficiários do programa de transferência de renda condicionada à comprovação de acesso à educação e à saúde, de acordo com o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome).
Essa participação tem crescido: em 2011, o porcentual era de 7,3% de beneficiários com pequenos negócios formalizados. São, principalmente, mulheres nordestinas jovens com pouca escolaridade. Mães e chefes de família que trabalham como comerciantes de roupas, cabeleireiras, manicures, donas de mercearias, bares e vendedoras ambulantes.
Dentre as pessoas que recebem Bolsa Família, mais de 70% trabalham, aponta o MDS. Mas, sem renda suficiente para garantir o sustento confortável da família, o benefício serve como proteção à situação de vulnerabilidade social, avalia o órgão. O programa, que começou com 3,6 milhões de famílias em 2003, cresceu e em abril atingiu 14,1 milhões de beneficiários -93% mulheres. O desembolso foi de R$ 2,1 bilhões.
Dentre os que entram e os que saem do Bolsa Família ano a ano, o MDS afirma que a rotatividade é em torno de um milhão de beneficiários. Famílias com renda maior que R$ 140 por pessoa por mês estão além do limite para receber o benefício.
“Eu vi o Bolsa Família nascer em 2003 da integração do Bolsa Escola com outros benefícios, como o Vale Gás. Sempre houve a crítica de que não teria uma porta de saída do programa, de que o pessoal beneficiado não ia querer trabalhar. Mas hoje vemos que foi um impulso para que pessoas pudessem começar um negócio e buscar uma evolução”, avalia o presidente do Banco do Nordeste, Nelson Antonio de Souza.
A integração de políticas é a aposta do governo contra a pobreza. “Temos pessoas que recebem Bolsa Família, são MEI e acessam o microcrédito via programa Crescer. As famílias vulneráveis não podem arriscar a educação dos filhos enquanto estruturam um negócio. É uma estratégia combinada”, afirma o diretor de programas do MDS, Marcelo Cabral. Com a formalização dos negócios via MEI, os empreendedores têm acesso a direitos como aposentadoria e auxílio-maternidade.
Produtivo. O crédito para empreender, e não para consumir, é o objetivo do programa Crescer, de microcrédito produtivo orientado. Lançado em meados de 2011, baixou as taxas de juros da modalidade de cerca de 60% para 8% ao ano e convocou os bancos públicos a expandir a sua atuação. Desde então, o saldo total dessa carteira saltou de R$ 1,2 bilhão para R$ 5,1 bilhões em fevereiro deste ano, segundo o Banco Central.
Maior operador de microcrédito da América Latina, o Banco do Nordeste tem duas linhas de empréstimos. O Crediamigo, para negócios nas cidades, tem 45% de participação de Bolsa Família entre os clientes. Já no Agroamigo, que atende produtores rurais, o número é maior: 67%. No total, são 1,1 milhão de beneficiários dentre os sete milhões de empréstimos do banco em 2013. A inadimplência do Crediamigo ficou em 0,85%, enquanto que os atrasos chegaram a 3,3% no Agroamigo.
Na região Norte, o programa de microcrédito Amazônia Florescer emprestou para mais de 45 mil clientes em 2013. Cerca de 2 mil deles também estão no Bolsa Família, mas esse número poderia ser muito maior, avalia a gerente-executiva de microfinanças e agricultura familiar do Banco da Amazônia, Cristina Lopes. Segundo ela, é preciso mais sinergia entre os Cras (Centros de Referência de Assistência Social), que estão na linha de frente em contato com os beneficiários, e os agentes de microcrédito. “Nós já temos casos de sucesso e tentamos demonstrar isso para os responsáveis pelos Cras. O custo dos empréstimos é muito baixo”, diz.
Perfil empreendedor. Segundo dado do MDS, 29% dos tomadores de crédito via programa Crescer também recebem Bolsa Família, o que representa um universo de 2,7 milhões de operações.
No município de Anastácio, no Mato Grosso do Sul, Rosinete Ramos dos Santos, de 38 anos, é uma dessas pessoas. Com dois filhos em idade escolar, de 7 e 8 anos, e um de 19 anos, ela recebe Bolsa Família e complementa a renda vendendo roupas, acessórios e produtos de cama, mesa e banho de porta em porta. Antes do benefício, Rosinete vivia de bicos como diarista.
“Não tive estudo, trabalhei desde pequena na fazenda”, diz. Com o microcrédito, fez um empréstimo de R$ 900, já quitado. O dinheiro foi usado para comprar mercadorias.
“Meu sonho é ter uma loja. O que eu quero é poder devolver o cartãozinho do Bolsa Família e ver que eu venci”, conta. Para realizar esse plano, ela pensa em tomar um empréstimo maior, de R$ 10 mil. A cifra desejada por Rosinete é alta. O limite para os empréstimos de microcrédito é de R$ 15 mil.
Microcrédito é saída para Bolsa Família
Redação
Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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