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Livro da dessana Bete Morais traz raízes do alto rio Negro

‘Yandé anga – contos do rio Negro’, ou ‘nossa alma’ é o livro de estréia da indígena dessana Bete Morais, um misto de inspiração com as histórias vividas e contadas pelo seu avô Nazário Dessano.

Nazário dedicou sua vida à pesca tradicional, onde nasceu e viveu, no município de São Gabriel da Cachoeira, entre os belos cenários daquela região no alto rio Negro.

Não por acaso, Nazário se tornou um construtor excepcional de cacuris, armadilha para pegar peixes, construída com talas de palmeiras.

Por ter nascido na floresta, Nazário se tornou um grande conhecedor da natureza, da espiritualidade que existe em regiões onde o homem não chegou com sua mão destruidora. Aprendeu com seus antepassados e ensinou para seus descendentes, como Bete.

A escritora faz questão de dizer que os três contos que compõem em ‘Yandé anga’ não são lendas, apesar de os animais conversarem com humanos, mas relatos ouvidos por ela e transformados em histórias.

 ‘Yandé anga – contos do rio Negro’, é o livro de estréia da indígena dessana Bete Morais – Foto: Divulgação

“Me inspirei em várias histórias contadas por meu avô, e vivenciadas por mim, para escrever os três contos”, disse.

Reais também são os cenários, floresta, rios e montanhas só existentes no alto rio Negro.

‘Yandé anga’ é composto por ‘Oeywa – libélula’; ‘Para onde vão as nossas memórias’; e ‘Que pássaro é esse que há dentro de ti?’. As ilustrações do livro foram desenhadas por Gil Morais, prima de Bete.

“… a escritora assume que os temas e a visão de mundo da subjetividade de quem narra as histórias é parte da cultura dessana. E antecipa que o ambiente cultural dessas narrativas de ficção é a civilização do rio Negro”, escreveu José Ribamar Mitoso na apresentação de ‘Yandé anga’.   

Mundo de subjetividade

‘Oeywa – libélula’ conta a história do menino Manuel e seu cachorro Pyá e de seu avô que revela como os espíritos, oeywa, libélulas, vieram até o menino já no seu primeiro banho, ainda bebê.

Em ‘Para onde vão as nossas memórias’, o avô segue para uma caçada, junto com seus cachorros, e pede a Bhupó (deus do raio) para que não mande chuva ou temporal enquanto ele estiver caçando. Na sua caminha, o avô conversa com um jabuti, um macaco, uma onça, e inambus (que estavam dando uma animada festa).

“Realmente não é fácil se conectar com tudo o que está ao nosso redor, mas meu avô sabia muito bem fazer isso. Eu sinto que as suas memórias ficaram nas coisas que ele mais amava, e em algum lugar ele segue gerando vidas”, revelou.

‘Que pássaro é esse que há dentro de ti?’ é a história do menino João, apelidado de Bem-te-vi por conversar com pássaros e moldar aves a partir de pequenos gravetos. Bem-te-vi é deficiente das pernas, o que o impede de brincar com os outros meninos e o revolta contra os santos católicos nos quais sua mãe acredita.

“Minhas histórias são escritas para as pessoas tentarem entender a cultura dos povos dessana e tukano, dos quais descendo. Apesar de parecerem lendas, elas fazem parte do dia a dia das gentes daqui”, esclareceu.

O projeto para a publicação de ‘Yandé anga’ foi contemplado no Prêmio Feliciano Lana, da Secretaria de Estado de Cultura, através da Lei Aldir Blanc. Coincidentemente Bete conheceu pessoalmente Feliciano Lana, que morava na cidade de São Gabriel da Cachoeira.

“Sempre que eu ia ao Instituto Sócio Ambiental, ele estava lá, e como não sabia mexer no computador, eu o ajudava, principalmente a responder e-mails”, revelou.

Ana quer ser pajé

Bete Morais não fez um lançamento oficial de seu livro, mas desde que ele saiu da editora está sendo comercializado em várias redes sociais de associações indígenas, chegando a várias cidades brasileiras e até na Europa.

“Tenho uma amiga que conhece uma livraria, em Paris, que só vende livros brasileiros, então ela levou uns livros meus para vender lá”, contou.

Bete pretende, ainda, publicar o livro em nheengatu e tukano, pois muitos dos seus ‘parentes’ não sabem falar o português.

A jovem escritora já trabalha num novo livro, que pretende lançar em breve, ‘Ana reriponã’, ou ‘Coração de Ana’.

“É sobre como vivem, e são, as mulheres do alto rio Negro. É uma homenagem a todas elas. O sonho de Ana é ser pajé, mas em meio à nossa gente não existem mulheres pajés, então é uma forma de mostrar o grito e o empoderamento das mulheres de minha região”, adiantou.

Desde seus antepassados, de séculos atrás, os parentes de Bete vivem numa ilha, com direito a uma pequena mata e praia particular, comuns no vale do rio Negro. Quando não está em Manaus, ou outra cidade, a indígena volta para a tranquilidade e a paz da ilha onde busca inspiração para seus escritos.

Quem quiser adquirir o livro de Bete Morais, pode solicitar através de seu Face: Bete Morais; Instagram: @jasmi_bete; ou fone: 9 9977-3891.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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