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Livro apresenta relatos de Frei Gaspar pelo ‘rio das Amazonas’

Um livro que em hipótese alguma pode faltar na estante de quem pesquisa a Amazônia será lançado hoje, às 18h30, na Banca do Largo, no Largo de São Sebastião, editado pela Valer: ‘Relação do famosíssimo e muito poderoso rio chamado Marañon’, escrito por Frei Gaspar de Carvajal há mais de 400 anos, agora traduzido pelo prof. dr. Auxiliomar Silva Ugarte, do Departamento de História da Ufam, que falou sobre algumas peculiaridades do livro ao Jornal do Commercio.  

Rio das Amazonas – Foto: Divulgação

Jornal do Commercio: Quem foi Frei Gaspar de Carvajal?

Auxiliomar Ugarte: Gaspar de Carvajal nasceu por volta de 1504, em Trujillo, na Espanha. Em 1537, quando embarcou para o Novo Mundo, já era sacerdote. Foi um dos oito religiosos dominicanos que acompanharam frei Vicente de Valverde, no momento em que este se tornava bispo da, então, recém-criada diocese do Peru. Em 1538, Carvajal tornou-se vigário provincial dos dominicanos em Lima. Em fins de 1540, licenciou-se do cargo para acompanhar Gonzalo Pizarro, na expedição ao País da Canela, servindo de capelão. Um ano depois, fazia parte do contingente que, sob o comando de Francisco de Orellana, foi encarregado de buscar alimentos para seus coexpedicionários que ficaram com Gonzalo Pizarro, às margens do rio Coca. Dado que a pequena tropa não retornou ao acampamento de Pizarro, o padre Carvajal tornou-se capelão da mesma, navegando pelo rio Amazonas, de fevereiro a agosto de 1542.

JC: Sem ele, nada saberíamos sobre a famosa viagem de Orellana pelo rio Amazonas?

AU: Pouco saberíamos, hoje, se não houvesse uma sistematização narrativa, como a realizada por Frei Gaspar de Carvajal, do que fora vivenciado por ele e os demais ibéricos ao longo de seu imenso trajeto, durante quase dez meses de viagem pelo rio.

JC: É verdade que Frei Gaspar aumentou, ou inventou, muito do que escreveu?

AU: Eu prefiro considerar, depois de uma rigorosa análise histórica, as ‘deficiências informativas’, tanto de Frei Gaspar quanto de outros cronistas/testemunhas presenciais, enganos ou equívocos, provocados por circunstâncias adversas em que se encontraram ou por suas formações sociomentais e vocabulares, ou seja, de seus mundos de origem. Estaria ele mentindo ao dizer que viu carvalhos, azinheiros e sobreiros em regiões ao longo do rio Marañon? Ou estaria utilizando, por verossimilhança, nomes de árvores de clima temperado para designar árvores amazônicas? Eu prefiro a segunda opção de análise.

JC: Não existem os originais do que ele escreveu?

AU: Pelo que conheço das versões escritas (de Oviedo y Valdés, de Toribio de Medina e de Hernán Millares), nenhum dos conjuntos manuscritos foi considerado, pelos especialistas que os editaram, como sendo autógrafo do frei dominicano, ou seja, nenhum é original. O fato de serem versões não autógrafas de Frei Gaspar não quer dizer que não tenham importância e que não sejam interessantes para os estudos históricos. É o mesmo caso dos manuscritos da Ilíada e da Odisseia (Homero) e da Bíblia judaico-cristã, que também não são ‘originais’, e nem por isso deixam de ser importantes documentos históricos.

JC: Frei Gaspar seria o ‘descobridor’ do encontro das águas do Negro com as do Amazonas?

AU: A passagem da expedição de Orellana pelo encontro das águas pretas do, a partir de então, ‘rio Negro’ e das águas pardacentas do rio Marañón, ocorreu em 3 de junho de 1542. O primeiro registro foi realizado, indubitavelmente, por Frei Gaspar, mas a maior divulgação foi realizada por cronistas bem posteriores, como o padre jesuíta Cristóbal de Acuña, em 1642, quando teve seu relato publicado na Europa. Embora Frei Gaspar tenha feito o primeiro registro, na verdade, o nome de ‘rio Negro’ foi uma atribuição da coletividade dos expedicionários, sob o comando de Orellana, portanto, não posso considerar Frei Gaspar como o ‘descobridor’ do encontro das águas.

JC: O que de mais curioso o Sr. encontrou nos relatos de Carvajal nessa viagem pelo rio Amazonas?

AU: São vários os casos que me causaram muita admiração, um deles em especial. Uma besta (tipo de arma que atirava pequenas setas) ficou inutilizada, deixando os espanhóis temerosos por não poderem usá-la em um futuro combate. A noz (peça importante da arma) havia caído no rio. O curioso é que a noz foi recuperada, uma vez que outro expedicionário, ao tratar um peixe que conseguira pescar, encontrou a dita noz nas vísceras do pescado. Com isto, a utilidade ofensiva da besta foi recuperada.

JC: Quem, realmente, deu o nome ‘rio Amazonas’ e como esse nome se perpetuou até hoje?

AU: Na verdade, o nome que começou a circular na Europa Ocidental, mais pelas vias da oralidade do que pela atividade escritural, foi ‘rio das Amazonas’. Este nome, que começou com a expedição comandada por Orellana, em 1542, ganhou registro nos primeiros documentos oficiais castelhanos já em 1543, nos quais constavam a petição feita pelo capitão estremenho, junto ao Conselho das Índias, para conquistar e colonizar as regiões que havia desbravado anteriormente. O nome ‘rio Marañón’, datando de princípios do século 16, continuou sendo usado, tanto em documentos administrativos espanhóis quanto em mapas que passaram a ser elaborados na Espanha e em outras regiões europeias, depois daquela viagem. Todavia, o nome ‘rio das Amazonas’ também foi ganhando registro, passando a coexistir juntamente com o nome ‘rio Marañón’, até se sobressair como rio Amazonas.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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