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Judeus comemoram 200 anos do fim da Inquisição

Foi lançado no dia 31 passado, no Museu da História da Inquisição, em Belo Horizonte, o livro ‘Bicentenário do término da Inquisição luso-brasileira’.

“Inquisição foi o nome dado, a partir de 1536, ao fanatismo religioso por parte da Igreja Católica que instalou a perseguição ao povo judaico, habitantes da Península Ibérica, expulsando, torturando, queimando e matando os que não quiseram se converter ao catolicismo através dos tribunais instalados pela Santa Sé, além de confiscar todos seus bens em nome da Igreja e dos reinados da Espanha e de Portugal”, explicou o médico dermatologista Simão Arão Pecher, pesquisador da história judaica na Amazônia.

Novidade de Pecher é o livro ‘Bicentenário do término da Inquisição luso-brasileira’.
Foto: Divulgação

Simão Pecher tem dois textos publicados nos anais do Museu da História da Inquisição: ‘Piratas ou usurpadores judeus no Caribe’, e ‘Inquisição e nazismo’, e um terceiro, ‘200 anos de miscigenação judaica na Amazônia’, vai integrar os anais em breve. Neste, ele conta como os primeiros judeus chegaram à Amazônia.

Acuados pelos inquisidores, muitos judeus fugiram para outros países, principalmente a Holanda, para o Caribe e também Marrocos no norte da África. Com o fim da Inquisição em todo território português, em 31 de março de 1821, bem como a proclamação da independência do Brasil, em 1822, os judeus concluíram que a ex-colônia portuguesa deveria ser um local seguro, e quanto mais distante, melhor, por isso, os que viviam no Marrocos imigraram para cá. No Marrocos eles viviam agrupados em melahs (guetos) nas cidades de Fez, Tânger, Tetuan, Casablanca, Rabat e Marrakech sempre sofrendo pogroms (matanças) por parte dos muçulmanos.

Em Belém e Manaus

Em 1824 foi inaugurada a primeira sinagoga da Amazônia, em Belém, denominada ‘Essel Avraham’ e, em 1842, o primeiro cemitério israelita, também na capital paraense.

Em 1866 D. Pedro II decretou a abertura dos portos para a navegação mercante do rio Amazonas e seus afluentes a todas as nações, e mais judeus para cá se deslocaram, não só do Marrocos, mas também os sefaradim, uma referência aos judeus que constituíram vilarejos na Península Ibérica (Sefarad), hoje Portugal e Espanha, assim denominados desde os tempos bíblicos do rei Salomão. Em 1889, ainda em Belém, foi fundada a ‘Shaar Hashamaim’, segunda sinagoga da Amazônia.

“Com o início do ‘ciclo da borracha’, em 1890, grande número de imigrantes judeus marroquinos foi atraído para a região amazônica”, destacou Pecher.

Vieram, em sua maioria, do Marrocos Espanhol (Tetuan e Ceuta) e falavam espanhol e haquitia (dialeto que mesclava hebraico, espanhol e árabe); do Marrocos Francês (Casablanca); do Marrocos Árabe (Fez, Rabat e outras vilas do interior) onde habitavam os toshabim (nativos) chamados de ‘forasteiros’ pelos megorashim, expulsos de Espanha e Portugal pela Inquisição. Esta onda migratória teve como base a dificuldade de sobrevivência nos guetos marroquinos devido à superpopulação, doenças contagiosas, perseguição e prisão. Atravessaram o Atlântico, em barcos, em busca do Eldorado no Novo Mundo, o sonho de liberdade material, mental e sobretudo espiritual.

“No ‘boom’ do ciclo da borracha, na Amazônia, no fim do século 19 e início do século 20, ficaram famosas as prostitutas polacas, mulheres judias, pobres, que foram contrabandeadas da Europa para o serviço de exploração sexual não só em Manaus e Belém, mas também no Rio de Janeiro e São Paulo, gerando alguns descendentes”, revelou.

Família dizimada

Em Manaus, foram fundadas duas sinagogas, a ‘Beit Yaacov’ (1928/29), dos megorashim, e a ‘Rabi Meyr’, dos toshabim; e um cemitério, em 1929. Com o declínio do ciclo da borracha muitos judeus saíram de Manaus e Belém, indo a sua maioria para o Rio de Janeiro e São Paulo.

Em 19 de janeiro de 1962 foi inaugurada a sinagoga ‘Beit Yaacov Rabi Meyr’, fusão dos dois templos existentes em Manaus. Muitos túmulos com inscrições em hebraico estão misturados com outros túmulos no cemitério São João Batista, diferenciados pela Estrela de David, dentre eles o do Rabi Shalom Imanu El-Muyal, Z’l, o ‘santo milagreiro’ para os católicos da cidade, que faleceu em 1910.

“Milhares de judeus viveram na calha do rio Amazonas, da fronteira do Peru até Belém, nas cidades de Iquitos, Contamana, Yurimaguas e Caballococha, no Peru; Parintins, Maués, Itacoatiara, Manacapuru, Tefé, e Coari; no Amazonas; Cametá, Óbidos, Faro, Itaituba, e Santarém, no Pará; e Macapá, no Amapá”, listou.

Mais recentemente, pouco antes da Segunda Guerra, na Europa, a família do pai de Simão Pecher foi brutalmente torturada pelos nazistas, sofrendo as mais variadas experiências, com mutilações e esterilizações a sangue frio.

“Meus tios e tias foram salvos pelos soldados russos, presos nos campos de concentração na România. Nunca mais puderam ter filhos. Seus primos e tios foram dizimados”, lamentou.

Mas essa é outra história.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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