O jornalista Severino Neto laça nesta sexta-feira (29), na Galeria do Largo, o livro intitulado “Viver, Sim. Como Escravo, Não! Um romance histórico sobre africanos e africanas que chegaram como escravos na Amazônia, na região do Baixo rio Amazonas, bem como afro-brasileiros escravizados, que rebelam-se nas senzalas de fazendas de gado e de plantações de cacau, fogem e sustentam suas vidas em liberdade acima das “águas bravas” (regiões de cachoeiras) do rio Trombetas, na então Província do Grão-Pará, área dos atuais Estados do Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima.
O projeto do livro foi incentiva pela Lei Paulo Gustavo, sob gestão do Ministério da Cultura e da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas.
“O que me fascinou a escrever o livro é o fato dos rebelados terem conseguidos seus objetivos de fugir e sustentar suas liberdade, durante cerca de 100, até a assinatura da Lei Área. É um capítulo singular da história brasileira, porque é uma história de sucesso, daquilo que deu certo para escravos e escravas, que era livrar-se das torturas, humilhações e horas extenuantes de trabalho forçado”, explica o jornalista.
Neto conta que, de acordo com suas pesquisas, para conseguirem sustentar suas vidas libertas, negros e negras que se refugiaram na calha do rio Trombetas foram extremamente habilidosos na arte de se relacionar com os povos indígenas que já habitavam o rio e também com os “brancos”, principalmente das vilas de Óbidos e Santarém.
“Com os indígenas conseguiram aprimorar as técnicas de sobrevivências na Amazônia. Com parte dos “brancos” das vilas próximas, estreitaram forte relação comercial, principalmente com regatões que subiam o rio levando utensílios domésticos, tecidos, sal, armas, munições e outros produtos, para trocar por tabaco, breu, castanha, cumaru, cipós, peixes-salgados e outros produtos da floresta”.
“Outra coisa interessante para garantir a vida livre eram as informações que os regatões levavam das vilas. Como eram pequenos aglomerados populacionais, os regatões que também possuíam estabelecimentos comerciais nas vilas, sabiam praticamente de tudo, inclusive a formações de expedições de captura e informavam os quilombolas”, explica Neto.
Athanázio, Cabanagem e o Maravilha
De acordo com o jornalista, por volta de 1850 havia na calha do rio Trombetas cerca de 2.000 quilombolas.
“Era um número de habitantes bem superior a muitas vilas da Amazônia. Essa população começou a ser formada mais ou menos na década de 1780 e sua formação tem dois grandes registros históricos: Uma foi a fuga de Athanázio, que era escravizado na fazenda de Martinho Seixas, um oficial que prestava serviços militares na vila de Óbidos. É um marco na histórica da escravidão na Amazônia, porque Athanázio além de fugir, ajudou e liderou a fuga de mais 40 negros e negras e, após a fuga construíram o primeiro grande quilombo do rio Trombetas. Até então, não há registros sobre fuga em massa”.
Outro momento histórico na formação da população de 10 mil quilombolas que habitam a sede do município de Oriximiná (PA) e em 42 comunidades espalhadas pelo complexo hídrico do rio Trombetas, foi a guerra civil denominada de Cabanagem, porque foi o momento em que muitos fazendeiros abandonaram suas propriedade devido às incursões cabanas ou foram mortos em confrontos, fatos que facilitavam as fugas”, explica Neto.
“Athanázio e os 40 escravos fugiram em 1821. Estabeleceram-se às margens do lago do Mocambo, hoje lago Macaxeira. Em 1822 Athanázio, já conhecido na região como Rei, foi capturado no lago do Mocambo, juntamente com alguns companheiros. Mas o negro voltou a fugir e desta vez, juntou um grupo de negros e negras e subiram o rio. Depois de 15 cachoeiras e sobre uma ilha construíram o mais simbólico dos quilombo do rio Trombetas que foi o quilombo Maravilha. Nessa região da Amazônia, sem dúvidas nenhuma, Athanázio foi o grande líder. Guardadas as proporções, um líder do porte de Zumbi dos Palmares ou de Manoel Congo no Vale do rio Paraíba. Tanto isso é verdade, que até hoje, no lago Macaxeira, depois de mais de 200 que Athanázio chegou ao local, ainda existe o igarapé do Athanázio, local onde o líder quilombola fez a sua primeira moradia após a fuga da senzala no Baixo rio Amazonas”, explica o autor do livro
De acordo com o jornalista, Athanázio não só liderou negros e negras rio acima das cachoeira do Trombetas, onde construíram o quilombo Maravilha, mas também foi o grande responsável para que o mocambo se sustentasse por cerca de 20 anos, até 1855, quando uma grande expedição de captura formada por cerca de 190 soldados subiu o rio para abater ou capturar seus moradores. Porém, os quilombolas foram avisados de que a expedição subia em direção ao mocambo e, tocaram fogo em suas moradias, casas de farinhas e roçados. Pegaram seus pertences e animais domésticos e subiram o rio para formar um novo quilombo às margens do igarapé de Campiche, acima de mais uma cachoeira.
“Quando a expedição de captura chegou ao local do quilombo Maravilha só encontrou cinzas da terra arrasada. A partir do fracasso dessa expedição de captura, os governos imperial e provincial não mais organizaram nenhum expedição de captura ao rio Trombetas e, após a Lei Áurea, os quilombolas começaram a descer das regiões de corredeiras e cachoeiras para formar as atuais comunidades quilombolas espalhadas pelo complexo hídrico do Trombetas”, afirma o jornalista.