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Heróis esquecidos

Brasileiro não tem o costume de cultuar ou homenagear seus verdadeiros heróis. Prefere criar falsos heróis e a estes dedicar atenção esquecendo-se, inclusive, daqueles que deram a vida pelo país.

No próximo dia 27 completa 156 anos da partida dos amazonenses que foram lutar na Guerra do Paraguai (1864/1870) e até hoje nenhum deles foi reverenciado pelo seu feito, excetuando-se Henrique e Luiz Antony, pai e filho, que dão nome a ruas no Centro de Manaus. Henrique era italiano e voltou com vida para Manaus, mas Luiz não teve a mesma sorte, morrendo em solo paraguaio, mas os números dos outros amazonenses, que também não voltaram, impressionam. Partiram de Manaus, mais de 1.000 homens (não se sabe ao certo, quantos) e voltaram apenas 55. O interessante é que mesmo o Amazonas estando numa região esquecida pelo resto do país, e distante da corte, no Rio de Janeiro, foi obrigado a mandar seus filhos para a guerra.

“O Império era um Estado unitário, no qual o poder central mandava nas outras esferas menores sem grandes autonomias, ou seja, o que fosse decidido no centro político da nação, valeria para todas as demais partes do território. Com a criação dos ‘Voluntários da Pátria’, em 7 de janeiro de 1865, a convocação daqueles tais voluntários seria para todo o Império, independente da distância em que se localizavam”, explicou Adriel França, autor do projeto ‘Guerreiros do Amazonas’.

De imediato, homens do Exército de primeira linha e da Guarda Nacional foram convocados pelo Comandante de Armas da província e pelo presidente da província, respectivamente. Governava o Amazonas o pernambucano Adolfo de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda e coube a ele, em 7 de fevereiro de 1865, publicar um ato convocando os militares. Pouco mais de duas semanas depois, em 24 de fevereiro, o Comandante de Armas, Innocêncio Eustáquio Ferreira d’Araújo, falou sobre o embarque das unidades que seguiriam naquele primeiro momento.

Ofereceu o filho

Esse primeiro contingente, somente com militares, era formado por um corpo de saúde, um batalhão de artilharia, um corpo de guarnição e o 5° batalhão de infantaria. Não tem como comprovar se nesse contingente seguiu algum ‘Voluntário da Pátria’, mas documentos mostram que o militar Felipe Nery, ofereceu o próprio filho, um jovem de 18 anos, para seguir junto com eles, mas não se sabe se o jovem foi aceito pelo comandante.

27 de fevereiro de 1865. Agora não tinha mais volta. 339 amazonenses entraram em forma no Largo do Quartel, atual praça D. Pedro II, às 9h30. Em seguida, rumaram para o vapor Tapajós, que rumou para Belém. Possivelmente o Tapajós foi parando em todas as capitais do litoral, arregimentando mais militares, até chegar ao Rio de Janeiro.

Atual praça Dom Pedro II, de onde os combatentes partiram
Foto: Divulgação

A Guerra do Paraguai aconteceu de dezembro de 1864 a março de 1870 num conflito do Paraguai contra Brasil, Argentina e Uruguai. A guerra foi resultado do choque de interesses políticos e econômicos que as nações platinas possuíam durante a década de 1860. Ao longo dos anos de guerra, o grande prejudicado foi o Paraguai, que teve sua economia arrasada. Estima-se que o total de mortos, de acordo com as diferentes estatísticas, seja de 130 mil a 300 mil mortos.

“Os amazonenses lutaram em diversos lugares: Tuiuti, Uruguaiana, Humaitá, Capão do Pires, Boqueirão do Sauce e na famosa e triste Retirada de Laguna, onde vários amazonenses morreram”, contou Adriel.

Até hoje não se sabe o total de amazonenses que foram remetidos para a guerra entre 1865 e 1868, mas estima-se entre 1.300 a 1.400 soldados. Livros como ‘Dicionário Amazonense de Biografias’, de Agnello Bittencourt, ‘Síntese da história do Amazonas’ e ‘O Amazonas na época imperial’, de Antonio Loureiro, e ‘O contingente do Amazonas na Guerra do Paraguai’, de João Batista de Faria e Souza, divergem nestes números.

Apenas 55

Em 1º de março de 1870, a Guerra do Paraguai chegou ao fim e, como em todas as guerras, nenhum país saiu vitorioso, apesar de o Paraguai ter sido o mais devastado socialmente, politicamente e economicamente.

Para o Amazonas, a tristeza também foi grande. Dos mais de 1.000 homens enviados para o país distante, apenas 55 voltaram com vida. Comandava o que restara dos combatentes o capitão honorário Marcelino José Nery.

“O grupo de homens desembarcou em Belém, em 15 de julho de 1870. Ficaram alguns dias na capital paraense, talvez descansando da longa jornada pelo oceano, e no dia 20 de julho rumaram para Manaus, onde chegaram no dia 25”, disse.

Em Belém foi montado um pavilhão em homenagem aos soldados, que desfilaram para as autoridades do Estado vizinho.

Pavilhão montado na rua do Imperador, em Belém, para receber os combatentes
Foto: Divulgação

Voltaram a Manaus como heróis. Desembarcaram no Cais da Imperatriz, às 17h30.

O desfile dos soldados foi celebrado com muitos discursos e homenagens. Dentre um dos discursantes estava Bento Aranha, de apenas 27 anos, filho de Tenreiro Aranha, o primeiro presidente da província do Amazonas. Bento estava representando o Ateneu das Artes e após seu longo discurso, na porta da Igreja dos Remédios, deu vivas à república e a soberania do povo, num momento em que a monarquia havia ganhado a guerra. Foi intimado a prisão, porém não foi preso.

Bento Aranha fez discurso proibido
Foto: Divulgação

Houve grandes festejos que duraram até o dia 30 de julho, com celebrações de missas e te-deum na Igreja dos Remédios.

O batalhão de combatentes foi dissolvido no dia seguinte de sua chegada, 26 de julho.

Alguns nomes se sobressaíram na campanha, no Paraguai. Pedro Luiz Sympson recebeu a Ordem de Cristo, após lutar em Tuiuti. Tornou-se deputado provincial, e atuou em outros cargos públicos. Presenteou pessoalmente D. Pedro II com seu dicionário ‘Nhengatu-Português’. Alferes Joaquim Benjamim da Silva, natural de Parintins, foi promovido ao posto de tenente, por atos de bravura, em Itapiru, tendo também recebido a Ordem de Cristo, post-mortem, após Tuiuti. Faleceu vitimado por estilhaços de granada, em Capão Pires, a 16 de julho de 1868. Luís Antony recebeu a patente de capitão por atos de bravura, na tomada de Itapiru e a Ordem da Rosa, após Tuiuti. Faleceu por ferimentos na perna, em Humaitá.

Os restantes mil e poucos foram esquecidos pelo Brasil e pelos amazonenses. 

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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