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Heróis esquecidos

Dia 8 foi o Dia da Vitória. Dia em que a Alemanha se rendeu aos aliados, pondo fim à Segunda Guerra, na Europa. 457 militares brasileiros da FEB (Força Expedicionária Brasileira) morreram em campos da Itália. Dois eram amazonenses, Manoel Freitas Chagas (de Manaus), e Waldyr Paulino Pequeno de Melo (de Itacoatiara), além de Miguel de Souza Filho (acreano) e Sebastião Paulino de Lima (roraimense), que partiram daqui junto com o agrupamento do Amazonas. A data passou despercebida, como se tivesse sido em vão a ida de 25.334 mil (lista oficial) homens e mulheres arriscar a vida numa guerra.

Waldyr Paulino Pequeno de Mello
Foto: Divulgação

Mais lamentável ainda é saber que, 77 anos depois da partida dos amazonenses para aquelas terras distantes, até hoje não se tem o número exato de quantos homens se prontificaram para aquela perigosa aventura.

Manuel Freitas Chagas
Foto: Divulgação

Daniel Mata Roque, 2º vice-presidente da Associação Nacional dos Veteranos da FEB e membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, no Rio de Janeiro, disse que esse desconhecimento quanto ao número exato de combatentes ocorre em todo o Brasil, e cita o livro ‘A FEB pelo seu comandante’, escrito pelo marechal Mascarenhas de Moraes, onde o Amazonas aparece tendo enviado 91 homens, quando outras informações mostram 160. Ainda no livro, dos então territórios de Roraima, Amapá, Acre e Rondônia, não consta o envio de nenhum militar. Os lugares de nascimento de Sebastião Paulino e Miguel de Souza foram ignorados. Também o marechal Mascarenhas informa que o número total de homens sob seu comando era de 23.702, bem menos do que os dados oficiais.

Números contraditórios

O então presidente da Associação de Ex-Combatentes do Amazonas, o coariense Hilário Ferreira Pimentel, em entrevista ao jornal Diário do Amazonas, em 1998, confirmou que no dia 8 de dezembro de 1944, 160 jovens, muitos vindos do interior do Estado, embarcaram no navio Cambridge, da Marinha americana, rumo ao Rio de Janeiro para se juntar aos escalões que de lá estavam partindo, e de onde também seguiram para a Itália. Dos 160, 110 foram considerados aptos para a guerra. Os restantes 50 acabaram dispensados e não se soube mais deles. Dois meses depois, em 8 de fevereiro de 1945, os amazonenses rumaram para a Itália a bordo de outro navio da Marinha americana, o General Meigs, integrando o 5º, e último, escalão de pracinhas.

Hilário Ferreira Pimentel
Foto: Divulgação

“Outra contradição dos números está no livro ‘A FEB por um soldado’, escrito pelo amazonense Joaquim Xavier da Silveira, no qual consta que 97 amazonenses teriam ido para o campo de batalha”, lembrou Adriel França, autor do projeto ‘Guerreiros do Amazonas’.

Há alguns anos Adriel realiza intensa pesquisa em livros, na Biblioteca Pública do Amazonas, sites da Hemeroteca Digital Brasileira e Biblioteca Nacional. Apesar de fazer descobertas interessantes, ainda não conseguiu, e acredita que nunca vai conseguir, os números exatos.

“Sinceramente não sei explicar porque o Exército não fez esse controle e registro de forma completa. Acho que, pelo fato de o governo de Getúlio Vargas ser simpatizante do regime nazista, não havia maior interesse em que a FEB se perpetuasse. Como ela representou a vitória contra o nazismo, foi melhor que, discretamente, acabasse esquecida”, declarou.

Falta de vontade

O que comprova a simpatia de Vargas, e vários integrantes de seu governo, pelo regime nazista é o fato de 36 navios mercantes brasileiros terem sido torpedeados por submarinos alemães e italianos, entre fevereiro e agosto de 1942, causando a morte de 1.074 pessoas, e somente em agosto o presidente brasileiro ter resolvido declarar guerra contra Alemanha e Itália, isso porque estava sofrendo forte pressão da sociedade e dos Estados Unidos, que haviam entrado na guerra em dezembro do ano anterior e precisavam do apoio brasileiro, ainda assim, Getúlio fez da participação do Brasil ao lado dos americanos uma moeda de troca solicitando o reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras. Para completar a falta de vontade do ditador, dos 100 mil homens pedidos pelos Estados Unidos, mandou apenas 25 mil para o teatro de guerra, sem treinamento apropriado, e mesmo armamentos, e até sem uniformes adequados. Tudo foi doado pelo Tio Sam.

Prova mais contundente da falta de vontade de Vargas com a FEB se confirma quando do retorno vitorioso desta. A ditadura que os pracinhas tinham ido enfrentar na Itália e na Alemanha era parecida com a de Vargas, e eles perceberam isso. Astuto, o presidente vaticinou que eles seriam um perigo se continuassem juntos, como uma força, e ele poderia seguir pelo mesmo caminho de Mussolini e Hitler, por isso, tão logo os primeiros soldados retornaram ao país, e foram recebidos com muita festa, o ditador tratou imediatamente de dissolver a FEB. Os pracinhas foram proibidos de usar seus uniformes, exibir medalhas e condecorações, e sequer dar entrevistas ou declarações públicas. A censura não demorou muito. Em 29 de outubro de 1945 Getúlio foi derrubado do poder pelo general Góis Monteiro, que se tornou o novo presidente, democrata, do país.

Suas histórias se perderam

Adriel lembrou que somente quando Humberto de Alencar Castelo Branco foi presidente do Brasil (1964/67) é que surgiram as primeiras leis de amparo aos ex-pracinhas. Castelo Branco foi tenente-coronel na guerra, tendo embarcado logo no primeiro escalão, em 30 de junho de 1944 e permanecido 300 dias nos campos de batalha italianos.

Além dos dois amazonenses, o roraimense e o acreano mortos na guerra, Adriel destacou alguns outros nomes que bem representaram a Amazônia na refrega mundial. Emílio Rodrigues Ribas Júnior, chefe do Estado Maior da FEB; Syzeno Ramos Sarmento, comandante de um dos três batalhões que tomou Monte Castelo; Arnaldo Augusto da Mata, chefe do Serviço de Transmissões; as enfermeiras Graziela Afonso de Carvalho, Semiramis de Queiroz, e a acreana Jurgleide Doris de Castro.

Syzeno Ramos Sarmento
Foto: Divulgação

“Atualmente dois ex-pracinhas amazonenses continuam vivos: Mário Expedito Neves Guerreiro, que completou 100 anos, e seguiu para Itália de São Paulo, onde morava naquele momento; e João Lúcio Júnior, que é pernambucano, mas estava em Manaus quando os jovens manauaras se apresentaram para ir para a guerra, e seguiu daqui. Atualmente ele mora no Rio de Janeiro e deve estar com 100 anos, também”, informou.

Arnaldo Augusto da Mata
Foto: Divulgação

“Não há registros, mas acredito que muitos amazonenses entraram em combate, principalmente nas batalhas que aconteceram após a tomada de Monte Castelo, entre março e abril de 1945: Castelnuovo, Montese, Collecchio e Fornovo di Taro, esta, a última, em 29 de abril, nove dias antes do Dia da Vitória. Infelizmente nenhum deles, além de algumas fotos, deixou nada registrado por escrito e suas histórias se perderam com o tempo”, finalizou.           

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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