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Há pena de morte no Brasil?

O prisioneiro é idoso e está gravemente enfermo. No protocolo judicial, o juiz requer uma perícia médica oficial que conclui que o detento sofre doença grave, irreversível e progressiva. A penitenciária não tem recursos para prestar os cuidados paliativos para atender a um doente terminal. Desses fatos, somados às leis do país e considerando os tratados internacionais que protegem os direitos humanos, conclui-se que a Justiça autorize o detento a cumprir sua pena em prisão domiciliar. Certo? Não, e por duas razões.

A primeira é consequência de nossa situação socioeconômica. O presidiário não pode pagar um advogado; para este preso não haverá perícia, nem nada, ele ficará abandonado em seu canto da cela, doente e anônimo.

Na segunda razão, o detento conta com uma advogada. Ele tem 78 anos, é doente cardíaco, a perícia médica constatou piora do seu quadro clínico, a direção do presídio lavou as mãos e a lei permite a benesse humanitária: mas ocorre que o prisioneiro é Roger Abdelmassih. Nesse caso, cesse tudo o que a musa antiga canta, pois um “poder” mais alto se levanta – a dita opinião pública.

Na penitenciária, ele é hoje, se não o mais velho, o mais doente dos prisioneiros. Magro, fraco, caquético, dopado de remédios, não dá dois passos sem ajuda, que lhe é dada por outro preso. É essa boa alma que gerencia os horários dos remédios, que o leva ao banheiro, que o ampara — quebrando o galho do Estado. Os relatórios oficiais do presídio são claros: “Não podemos atender às demandas terapêuticas do detento e nos eximimos da responsabilidade de sua morte no cárcere”.

Roger Abdelmassih estava em prisão domiciliar desde maio deste ano até que, em julho, o TJ-SP desprezou a conclusão da perícia oficial e acatou o parecer opinativo de um médico psiquiatra que não teve contato com o detento e não analisou seus exames recentes, mas afirmou, convicto, que ele pode ser cuidado na penitenciária. O poder mais alto levantou-se.

Em cinco semanas de “cuidados” no cárcere, Roger teve complicações cardíacas. A defesa insistiu e ele foi levado ao hospital. Quase morreu. Outras crises virão, segundo os médicos. A defesa pediu ao STJ que concedesse uma liminar quando da alta hospitalar. Novamente, valeu o veredito do psiquiatra e o décimo pedido de Habeas Corpus (HC) foi negado, com a sutileza inerente às decisões tomadas no “caso Abdelmassih”: as perícias oficiais e os relatórios da penitenciária são sempre omitidos nas decisões e o juiz “acha” que ele pode receber tratamento na prisão.

Nesse duelo entre civilização e barbárie, somos todos fingidores. Fingimos que há Justiça para todos. Fingimos acreditar que a Justiça é imparcial e que não é influenciada pela imprensa. Fingimos que os direitos são humanos, sem exceções. Fingimos, enfim, que não há pena de morte no Brasil.

Foto/Destaque: Divulgação

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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