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Fracasso da Rodada de Doha

Doha a quem doer e doeu. O Brasil, mais uma vez, deu um show em matéria de improviso em estratégia política internacional. Agiu como uma espécie de peixe Betta, todo colorido, nadando calmamente em mares revoltos entre tubarões ardilosamente posicionados e orquestrados por um interesse uníssono de não ceder aos esperneios dos moluscos, cianofíceas, crustáceos e alguns outros organismos procariontes quase conhecidos que lutavam por suas quirerinhas.
Não é de hoje que o Brasil é amador e destemido, pelo menos quando o assunto envolve questões internacionais. É como um eletricista que não lembra direito se o fio vermelho é positivo ou negativo, mas como é cheio de atitude, proativo, vai em frente. Nossos representantes tendem a ser inadequadamente emocionais em ambientes regidos pela razão e pelo raciocínio lógico e analítico. Na rodada de Doha, o Brasil fez cara de mau, partiu para o ataque emocional aos poderosos e fez um fã-clube de admiradores que são tão significativos quanto as hortaliças do meu quintal. Conquistamos a confiança das galinhas, mas no final, traímos os próprios princípios e nos aliamos com as raposas. Resultado: acabamos rejeitados no galinheiro e sem expressão alguma entre as raposas.
O mais cruel é que a imensa maioria dos brasileiros nem sonha o que significa OMC e a Rodada de Doha está mais para uma saidera do que para outra coisa. Há quem goste dos trocadilhos e das brilhantes parábolas presidenciais que tem nos distraído nesse país que é dirigido de uma esplêndida Brasilha das Fantasias. Mas há algo que a cada dia me intriga mais: será que os trocadilhos e as brilhantes parábolas presidenciais são mesmo trocadilhos e parábolas? Às vezes, acredito que quando o Lula fala de futebol, de time que tem que jogar unido para fazer gol significa exatamente disso que ele está falando: de futebol. Nada mais. Nossos jornalistas, blogueiros, professores e até alguns esforçados profetas, tocados por uma sabedoria conquistada com muito suor e intenso esforço, são os legítimos responsáveis por dar brilho às analogias que fazem o Brasil se emocionar. E isso funciona aqui dentro. O eleitor brasileiro elege por dó, não por capacidade e muito menos por competência. Pode reparar: no Big Brother sempre vence o mais pobrinho (nem que seja de espírito).
Premiamos os criminosos e metemos na cadeia o pobre índio que descascou a árvore para fazer um chá para a esposa doente. Criminoso no Brasil tem duas opções: ou volta para a cadeia ou vira político, porque para pedir emprego com ficha criminal, não está fácil. Daqui a pouco -pela obesidade mórbida da lista dos candidatos a cargos eletivos que respondem a processos criminais- , receio que seja mais perigoso para o candidato ser barrado por não estar nela inscrito.
Em compensação, os melhores bombeiros do mundo estão aqui. Pena que quase todos eles decidiram ir para a política para apagar incêndios. Aliás, essa é a única coisa que parece planejada no governo: incêndios. Taca fogo e manda apagar, mas com águas especiais, de empresas especiais, cujos acionistas são muito especiais. Quem se lembra do kit de primeiros socorros? Das provocantes propagandas de preservativos? Agora a moda é o bafômetro. A maquininha está em todas. Só não está na rampa do Palácio do Planalto, porque não é permitido dirigir nada por lá.
A crise que vivemos não é a da política monetária do Bacen, nem das parábolas delirantes, muito menos do amadorismo em Doha. É uma crise de valores. Nossos representantes não estão sendo fiéis aos próprios princípios e isso sempre nos afastará de negociar os conflitos com base nos interesses que cada parte possui. Necessitamos de soluções sistêmicas, de investimentos maiores na educação e de ações planejadas, ao invés de apenas apagarmos, dia após dia, os intermináveis incêndios. Que tal começarmos a conter os incendiários?

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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