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Fetoscopia, é possível tratar muitas condições congênitas

Fetoscopia. A técnica cirúrgica é antiga. Foi desenvolvida ainda na década de 1960, mas continua tão necessária e importante como no seu início. A cirurgia fetal muda definitivamente o curso de diversas malformações congênitas, que podem ser corrigidas ou amenizadas. Em entrevista ao Jornal do Commercio, o ginecologista e obstetra Renato Sá, diretor-médico da Perinatal Laranjeiras, no Rio de Janeiro, um dos pioneiros na utilização da técnica no Brasil, falou mais sobre o assunto.

No final da década de 1990, depois de muitos anos tratando malformações fetais com técnicas tradicionais, Renato Sá decidiu sair do país em busca da especialização nesse tipo de cirurgia. O médico vendeu o seu carro e pagou do próprio bolso a especialização na França, retornando trazendo o conhecimento sobre o que havia de mais inovador na cirurgia fetal: a fetoscopia.    

Jornal do Commercio: O que é a fetoscopia? 

Renato Sá: Fetoscopia é uma cirurgia realizada no bebê, ainda dentro do útero, com uma micro-câmera e material cirúrgico muito delicado. É considerada uma cirurgia minimamente invasiva, pois o orifício por onde passa a câmera e o instrumental tem menos de 03mm. Hoje, através dessa técnica, é possível tratar muitas condições congênitas.

JC: Quando e onde essa técnica foi desenvolvida e onde o Sr. a aprendeu? 

RS: Habitualmente estas técnicas são desenvolvidas em países do primeiro mundo e nós precisamos ir até lá para aprender. Por exemplo, eu tive que ir até a França para fazer o meu treinamento. No entanto, graças ao desenvolvimento da Medicina Fetal no Brasil, este fluxo tem se invertido. A partir do desenvolvimento de uma técnica 100% nacional desenvolvida pelo grupo de pesquisa da Dra. Denise Lapa, do qual tive a honra de participar, hoje temos muitos médicos de outros países sendo treinados aqui, ou vamos a eles através de projetos de intercâmbio e desenvolvimento. Recentemente estive no Uruguai para auxiliar no projeto de cirurgia fetal neste país e já havia estado anteriormente na Argentina para o mesmo fim.

JC: Por que esse tipo de cirurgia é melhor do que a realizada com técnicas tradicionais? 

RS: Muitos dos tratamentos só eram realizados após o nascimento, quando as sequelas já eram graves. A intervenção intra uterina permite que a atuação seja feita antes de o problema estar muito grave, no caso da mielomeningocele, por exemplo, para permitir que a cirurgia após o nascimento seja feita em melhores condições, ou na hérnia diafragmática congênita, ou mesmo para salvar a vida de um ou ambos os bebês, na síndrome da transfusão feto-fetal.

JC: Quais tipos de problemas podem ser tratados através da fetoscopia? 

RS: Além das citadas mielomeningocele, hérnia diafragmática congênita, e síndrome da transfusão feto-fetal temos a síndrome da banda amniótica, problemas nos pulmões dos bebês (conhecidas como MACs), obstruções urinárias, e esse número vem crescendo a cada dia a proporção que novos instrumentais e novas técnicas vão sendo desenvolvidas.

JC: Com quantos meses o feto já pode passar por essa cirurgia e o que melhora na vida dele após o nascimento? 

RS: A idade da cirurgia para que os melhores resultados sejam alcançados dependerá do tipo de problema do bebê. Habitualmente as cirurgias são feitas no segundo trimestre da gestação. O objetivo pode ser: salvar a vida do bebê, melhorar as condições para que o tratamento pós-natal seja realizado ou mesmo tratar definitivamente o problema.

JC: Como o Sr. está difundindo a técnica no Brasil, inclusive no exterior? 

RS: No Brasil, ainda esbarramos em muitos problemas para a difusão da técnica, em especial para o SUS. Mas o Ministério da Saúde vem se mobilizando para isso. Já estão na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) algumas propostas para a implementação deste tipo de cirurgia em larga escala no nosso país. Por enquanto, só poucos hospitais universitários realizam no âmbito do SUS. Na rede privada está mais difundida, mas ainda assim esbarramos em burocracias dos planos de saúde. Redes de hospitais como a Rede D’or, que tem abrangência nacional, vem permitindo que o acesso seja maior em regiões mais afastadas. O Uruguai e a Argentina estão um pouco mais à nossa frente na questão do acesso público, mas são países menores e o acesso é mais fácil.

JC: Quando o tratamento será estendido a crianças de todas as classes sociais? 

RS: Esse é um desejo que todos nós temos, permitir que o melhor tratamento seja oferecido a todos os cidadãos independentemente de sua classe social. Acho que estamos no caminho certo. Precisamos não só permitir que todas as classes tenham acesso, mas também que o tratamento esteja disponível em qualquer local do país, seja ele público ou privado. Acredito que com o trabalho da Câmara Técnica para o Tratamento Intrauterino da Mielomeningocele, as portas do SUS também se abrirão para todos que necessitem.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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