Pesquisar
Close this search box.

Fábrica de saberes

Numa quinta-feira deste mês (17 de Janeiro), morreu em acidente de trabalho um professor da UFAM, num ônibus, em serviço de campo, e viria a falecer em seguida também uma das suas alunas, em decorrência do acidente; no dia seguinte (18 de Janeiro), morreu no hospital um outro professor da UFAM, vítima de um acidente vascular cerebral –por certo, um outro acidente de trabalho. Com isso, perdeu a Sociedade, mas ela é tão grande que às vezes nem tem a dimensão do que perde exatamente.

Como se sabe, das principais tarefas da boa gestão administrativa, atrair e cativar pessoas possuidoras de um empuxe diferencial, uma dinâmica pró-ativa, que costumamos chamar de “talento”, é o que há de mais demorado. Muitas vezes, leva-se anos a fio sem encontrar discípulos dotados de todos os atributos de caráter e de conhecimento que devem acompanhar estes outros predicados visados.

Devo sublinhar que a morte por acidente de trabalho, como estas três havidas, costuma eleger, entre tod@s, preferentemente, aqueles que se mexem, que se preocupam, que se atiram a um trabalho extra, a uma preocupação mais constante.

Mas que dizer diante da morte? Exaltar a vida e o viver engajado do intelectual que se foi é o primeiro e é o mais fácil. Acatar o Destino, este outro nome de Deus, é menos fácil. Desejar a continuidade até exaurir-se a última chama do alento por mudanças –isto é ainda mais difícil; até porque nós, que já temos as nossas certezas, nem sempre aceitamos de bom grado alterações na “nossa” ordem de coisas.

Aos leigos, e aos intelectuais que há muito deixaram para trás a Universidade, talvez nem dê para imaginar o que é ter de lidar com pessoas de talento real, que alcançam a titulação mas não possuem as melhores condições existentes de cumprir o seu trabalho. Atrair e cativar esta gente torna-se quase impossível; aposentar-se ou tornar-se medíocre, sem preocupação ou sem uma atividade extra, é o caminho em geral mais aceito pela maioria dos que ficam.

Sem sonho, sem planejamento, nada se alcança
O homem sonha, Deus quer, a obra nasce, dizia o poeta. Sem sonho, sem planejamento, nada se alcança. Lidar com camadas da população cada vez maiores e cada vez menos formadas em lares dotados de livros, estudantes amantes às vezes tão-somente dos orkuts do presente estagnado, decerto dá um dó danado; dá o que penar, para nós, mais do que o que pensar.

Se antes a intelectualidade era formada de extratos da elite, alimentada desde cedo para a tarefa de “pensar o Brasil”, hoje, e pelo menos desde Florestan Fernandes, é de extratos de todas as camadas do País que vêm os criadores do futuro. E estes costumam ter mais preocupações, porque faltam “as melhores condições existentes” para cumprir o seu trabalho.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica brasileira (o IDEB) alcançou em 2006 a cifra de 3,8 pontos. Dá, talvez, para imaginar que alunos assim formados não podem chegar às universidades com bons referenciais, seja dos colegas, seja dos fundamentos observados para “chegar lá”.

A média do IDEB dos chamados países ricos, que possuem também a sua nutrida camada de pobres com desempregados pagos, é de 6,0 pontos. Trabalhar ali porém nem sempre é fácil –mas já constatei num período em que lecionei na Espanha: é maravilhosamente mais simples que no Brasil, em cujas universidades tudo falta.

Para ficar somente num dos temas, recordo que lá há bibliotecas BOAS em toda parte; há livros, há livros atuais, há livros atualizados, há abertura para os docentes pedirem os livros que quiserem (avisam-nos em casa, uma semana após o pedido); há sala, mesa, segurança (fui furtado em plena sala da Ufam); há acesso sem fio à internet, em cada recanto; e há editora para publicação do trabalho que produzimos (a minha tese de estrangeiro saiu com dois meses em que a apresentei à Editora da Universidade de Santiago). E há sobretudo leitura!

Mas aqui… o sangue da nossa gente dispensa a tinta das nossas palavras, e não temos ocasião de repas

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
Compartilhe:​

Qual sua opinião? Deixe seu comentário

Notícias Recentes

Pesquisar