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Esconder, sempre para esconder

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As máscaras existem desde tempos remotos, usadas por povos em todo o planeta, seja por motivos religiosos, lúdicos (como no Carnaval), para se proteger (como as dos médicos), ou como expressão de arte (duas máscaras representam a tragédia e a comédia no teatro). Os antigos egípcios usavam máscaras como parte do processo de mumificação, sendo a mais famosa de todas a de Tutankhamon, de ouro maciço. As coloridas e enfeitadas máscaras das ‘luchas libres’ mexicanas são conhecidas no mundo todo, muito mais que as próprias lutas. As do carnaval veneziano surgiram no século 16 usadas pelos nobres, que queriam se misturar com o povo sem ser reconhecidos, porém tinham um Q de nobreza. No Brasil, no Carnaval, as máscaras são o símbolo da festa e acontecem até bailes exclusivos com elas. Recentemente as peças passaram a estampar ironicamente figuras ilustres, principalmente políticos.

No Amazonas, no alto rio Negro, vários povos indígenas utilizam máscaras em seus rituais festivos e religiosos. Foi tendo como referência esses símbolos que o restaurador e conservador de documentos e material arqueológico Custódio Rodrigues começou a fazer suas próprias máscaras, como um hobby, e não mais parou até hoje. “Durante os 26 anos que trabalhei no Museu Amazônico, fiquei conhecendo bastante a cultura dos povos amazônicos, mas o meu contato com as máscaras é antigo. Vem desde 1997 quando o Nonato Tavares reproduziu várias delas para uma exposição no Museu. Eram as mesmas desenhadas por José Joaquim Codina e José Joaquim Freire, que acompanharam o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira em suas viagens pela Amazônia no século 18. As máscaras eram, então, usadas pelo povo Jurupixuna em seus rituais e chamaram a atenção dos desenhistas portugueses”, detalhou.

Nonato Tavares é uma das figuras mais importantes do teatro amazonense. Diretor, ator e cenógrafo, fundou a Companhia Vitória Régia, em atividade há mais de 30 anos em Manaus. Quando esteve à frente da Fetam (Federação de Teatro do Amazonas), idealizou e criou o Festival de Teatro da Amazônia. Em sua longa trajetória pelos palcos não só de Manaus, mas de cidades do interior e mesmo de outras cidades do país, realizou montagens marcantes como ‘A maravilhosa estória do sapo Tarô-Bequê’, ‘Tributo a Chico Mendes’, ‘Piquenique no front’, ‘O que era e o que não devia ser’ e ‘Papai cumpriu sua missão’.

“Em 1997, eu e o Nonato resolvemos usar materiais naturais para reproduzir as famosas máscaras da expedição do Alexandre Rodrigues: casca de alho, folhas, cascas de árvore. Fizemos uma papa e as moldamos”, lembrou.

Resíduos que viram obras de arte

Fazer máscaras, para Custódio, tornou-se mais um hobby desenvolvido após a aposentadoria. “Comecei a trabalhar como ator de teatro no final da década de 1950 e até hoje, se houver alguma oportunidade, eu atuo. Também escrevo peças. Tenho quatro escritas, uma delas, ‘A floresta e os bichos contra o homem fogo’, foi a única encenada até agora e transformada num livro pela Valer”, contou. “As artes plásticas surgiram recentemente na minha vida”, completou.

“Em 2013 uma professora realizou, no Museu Amazônico, um curso de máscaras em papel marchê. Eu participei e aprendi a técnica utilizada por ela, bem diferente da utilizada pelo Nonato para fazer material cenográfico e de indumentária para suas peças”, falou.

“Desde então as tenho feito aqui em casa. Poderia ter dezenas delas espalhadas pelas paredes, mas não tenho pressa. Só trabalho nelas quando estou com vontade. Sou detalhista. Demoro um bom tempo numa mesma peça”, revelou.

“Devo ter umas 20, prontas, mas sempre estou trabalhando em alguma. Sinceramente, me sinto realizado em fazer esses trabalhos porque transformo resíduos, que fatalmente iriam para o lixo, em obras de arte. Reciclo tudo o que cai nas minhas mãos: papelão, papel, isopor, esponja, ferro. Com uma técnica que venho testando nesses últimos anos, consigo uma matéria-prima que é transformada nas máscaras. Poderia fazer qualquer outra peça que surgir na minha imaginação e puder ser materializada, mas quero apenas fazer máscaras. Sou apaixonado por elas”, disse.

“O que são máscaras? Cada rosto, de cada um dos sete bilhões de habitantes da Terra pode produzir várias máscaras, com identidades próprias. São bilhões e nenhuma é igual à outra. Dá pra imaginar isso? Abstratas, ou não, servem para esconder, sempre para esconder, alguma coisa de cada ser humano”, filosofou.

“Assim que tiver uma quantidade maior de peças, penso em fazer uma exposição no Museu Amazônico.
Também estou amadurecendo a ideia de promover cursos para ensinar as pessoas a fazer tanto a matéria-prima quanto as próprias máscaras. Ao menos para mim é um passatempo fantástico”, garantiu.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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