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Era uma vez um Chapéu

Era uma vez um Chapéu

No último dia 10 o Amazonas perdeu aquele que foi, com certeza, o mais criativo arquiteto que o Estado já conheceu, o mineiro Severiano Mário Vieira de Magalhães Porto. Várias de suas obras em Manaus, porém, morreram bem antes dele sendo descaracterizadas, ou completamente destruídas ao longo das décadas, como aconteceu com o estádio Vivaldo Lima, demolido, em 2010, e que virou a Arena da Amazônia. Existiu uma obra, no entanto, que talvez tenha sido a mais icônica idealizada pelo arquiteto: o restaurante Chapéu de Palha, na qual ele homenageia o homem amazônico. Na época em que o Chapéu de Palha foi construído era comum o uso desse acessório pelos barés.   

Na época em que o Chapéu de Palha foi construído era comum o uso desse acessório pelos barés

O Chapéu de Palha foi o restaurante com visual mais exótico já existente em Manaus em todos os tempos, pelo inusitado formato de um imenso chapéu de palha, numa justa homenagem ao acessório tão comum nas cabeças dos ribeirinhos amazônicos, sejam homens, mulheres e crianças, não se tratando de um objeto de beleza, mas de importante aliado na proteção contra o sol inclemente da região.

O Chapéu de Palha foi construído na esquina das ruas Paraíba (atual Umberto Calderaro Filho) com Fortaleza, no então aristocrático bairro de Adrianópolis, e inaugurado em 24 de fevereiro de 1968, com a presença do prefeito Paulo Pinto Nery (1965/1972), que descerrou a fita inaugural. Desde a sua conclusão a obra causou impacto pelo design inusitado. O JC daquele dia publicou: ‘Chapéu de Palha será inaugurado hoje solenemente’. Tão detalhista foi Severiano Porto que o imenso chapéu possuía até uma aba dobrada para baixo.

O Chapéu de Palha foi construído na esquina das ruas Paraíba com Fortaleza

Sucesso tão logo após a sua inauguração, a partir de 1970, com a conquista do tricampeonato mundial de futebol pela seleção brasileira, no México, o Chapéu de Palha passou a sofrer uma crise de identidade, pois as pessoas, principalmente as hordas de turistas brasileiros que chegavam a Manaus atraídas pela incipiente Zona Franca, o associavam ao imenso sombreiro usado pelos mexicanos, ou seja, da homenagem ao caboclo local, o Chapéu de Palha se tornou uma alusão ao símbolo maior dos mexicanos.

De acordo com o historiador Ed Lincon Barros, a única referência do restaurante manauara com aquela seleção brasileira, responsável pela conquista histórica do futebol canarinho, seria o fato de os campeões de 1970 terem feito refeições no Chapéu de Palha quando estiveram em Manaus, em abril daquele ano, e disputaram um amistoso com a Seleção do Amazonas. Ainda em 1969, os diretores, atores e críticos de cinema que participaram do I Festival Norte do Cinema Brasileiro, também se deliciaram com as iguarias amazônicas no restaurante.

Prêmio Nacional de Arquitetura

Severiano Porto havia vindo para Manaus, em 1965, a convite do governador Arthur César Ferreira Reis (1964/1967) para morar na cidade e trabalhar numa outra obra, bem mais ousada que o Chapéu de Palha: o projeto do então maior e mais bonito estádio de futebol do Norte: o Vivaldo Lima.

Apesar de mineiro, formado em 1955, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Severiano Porto procurou, tanto no Vivaldo Lima quanto no Chapéu de Palha, e diversas outras obras que projetou na cidade, posteriormente (sede da Suframa; campus da Ufam; agência da Caixa Econômica Federal, na rua José Clemente; Fórum Henoch Reis; Igreja de Cavaco, em Rio Preto da Eva), valorizar o material regional. No caso do Chapéu de Palha quem o convidou para projetar o restaurante foi o empresário José Braga. Na construção, o arquiteto usou e abusou das madeiras e palhas locais, além do tijolo aparente, fazendo com que a obra total tivesse um baixo custo, num terreno cercado por árvores, para valorizar o visual. 

Severiano Porto é considerado o mais criativo arquiteto que o Estado já conheceu

Com o projeto do Chapéu de Palha, o arquiteto ganhou o Prêmio Nacional de Arquitetura dado pelo Instituto de Arquitetura do Brasil, e escolhido por uma comissão que tinha Oscar Niemeyer entre os membros.

Amontoado de palha e madeira

Após conhecer o auge do sucesso sob a administração de José Braga, o Chapéu de Palha começou a enfrentar problemas financeiros, sendo vendido e tendo passado pelas mãos de outros proprietários. Até uma boate foi construída ao seu lado, desvirtuando a ideia original, mas parece não ter dado certo, tanto que o empreendimento chegou ao início da década de 1980 em total decadência.

Em 1982 o empresário Afrânio Pio de Souza se tornou proprietário do restaurante que continuou definhando, até ser vendido em setembro de 1986, com o anúncio de que seria derrubado para em seu lugar ser construído um apart-hotel de 18 andares. Diante das críticas contrárias ao triste fim do Chapéu de Palha, o empresário se defendeu, na época, dizendo que, “ele estava muito velho, o cupim tinha tomado quase toda a parte de trás e eu teria que gastar perto de 600 mil cruzados para reconstruí-lo”.

Em 2 de novembro de 1986, numa matéria de página inteira do JC, ao contrário da publicada 18 anos antes, em 24 de fevereiro de 1968, o teor era de lamentação com a manchete: ‘Destruído chapéu premiado’. Dizia a matéria: ‘Há dois meses, no entanto, o marco da arquitetura regional caiu e o motivo de tanta euforia regionalista é hoje um amontoado de palha e madeira que vai dar lugar a um Apart-Hotel de 18 andares’. Atualmente no lugar existe um posto de gasolina.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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