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Embrapa ajuda a fortalecer bioeconomia na Amazônia

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) acaba de completar 48 anos de atuação no Amazonas. Já são mais de quatro décadas ajudando o setor primário com novas tecnologias para dinamizar a produção nas mais diversas culturas regionais, em especial no cultivo de mandioca, açaí, guaraná e cupuaçu, ressalta Everton Rabelo, chefe-geral da instituição.

Em entrevista exclusiva ao JC, Rabelo diz que, hoje, a realidade é diferente do que se via nos anos 1970. O Estado importava quase tudo o que consumia em alimentos, desde o coentro à cebolinha, ingredientes muito utilizados pela culinária regional para o preparo de peixes

O potencial da piscicultura é astronômico, mas a atividade esbarra na legislação ambiental extremamente rígida no Estado, alerta Rabelo. O que não acontece em Rondônia, que exporta a maioria da produção de tambaqui para Manaus.

Outro grande diferencial, cita Rabelo. Aqui cultiva-se uma quantidade significativa de produtos da floresta que o resto do país desconhece, dando mais segurança alimentar para as populações ribeirinhas nos municípios do interior do Estado.

A Embrapa constata a evolução de suas pesquisas. A cadeia produtiva do açaí passou de US$ 1 milhão para US$ 1 bilhão em dez anos. “Já empregamos a tecnologia que elimina o protozoário transmissor do mal de Chagas, agregando mais valor ao produto, tão apreciado hoje em todo o mundo”, afirma Rabelo. E ainda, diz ele, já é possível cultivar o cupuaçu sem caroços e a pupunheira sem espinhos.

Hoje, a Embrapa tem 43 representações espalhadas pelo Brasil. A do Amazonas figura entre as primeiras a serem criadas. E está presente em praticamente todos os Estados da Amazônia, dando suporte aos produtores.

Com uma população de pouco mais de 210 milhões de habitantes, o Brasil é responsável, atualmente, pela alimentação de pelo menos 800 milhões de pessoas no mundo, de acordo com Everton Rabelo. E esse bom desempenho se atribui à Embrapa.  

Everton Rabelo falou com exclusividade ao Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio – A Embrapa completa 48 anos de atuação no Amazonas. É uma longa atuação prestando bons serviços e promovendo cada vez mais a integração com a população. Esse é o caminho a ser seguido?

Everton Rabelo – Com certeza. Quando viajo pela Amazônia, vemos algo muito interessante. Os ribeirinhos dizem que comem a ‘galinha de gelo’ (rsss). Nos anos 1970, quando nasci, só podíamos consumir a galinha criada em quintal.

Hoje, mudou. A Embrapa possibilitou a transformação dessa realidade. Já é possível consumir em grande escala produtos que são ofertados no mercado. Antes, vivíamos com uma grande insegurança alimentar.

Importávamos feijão, leite, comprávamos carne da Europa, falavam que comíamos carne de Chernobyl, comendo carne radioativa (rsss).  Conseguimos alimentar 800 milhões de pessoas no mundo, tendo apenas 210 milhões de habitantes. Isso nos enche de orgulho.

JC – A Embrapa é motivo de orgulho para todos. Muitas pesquisas foram transformadas em negócios, mas o Amazonas ainda importa muitos produtos, apesar desse potencial gigantesco. Como alavancar o agronegócio na região?

ER – A Embrapa avalia a possibilidade de promover a mesma revolução que aconteceu no cerrado, que virou um centro produtivo.

Mas a Amazônia é produtiva. Apostamos nisso. O que tem demandado é a adoção das tecnologias ligadas a cadeias essenciais para nós, como a têxtil, mandioca, piscicultura, açaí, guaraná, cupuaçu.

Hoje, nosso açaí está livre daquele protozoário transmissor do mal de Chagas. E quem desenvolveu essa tecnologia foram pesquisadores da Embrapa no Amapá. Enfrentamos dificuldades no Amazonas porque o Estado é muito grande. Acredito que com a bioeconomia novas cadeias sejam criadas e valorizadas.

E a Embrapa tem as tecnologias para essas regiões. Quando pensamos em florestas, temos a integração lavoura, pecuária e floresta. É uma situação que pode ser muito aplicada na região sul do Amazonas, nos municípios de Apuí, Boca do Acre, Manicoré e Humaitá.

Temos tecnologias para castanha, seringueira. Essa região que fica no entorno de Manaus, pode-se dizer, que está independente de importar laranjas. Como acontece também com o abacaxi em Novo Remanso. Essas cadeias estão chegando e ficando.

Quando fazia agronomia na década nos anos 1990, dávamos assessoria técnica para um grupo que produzia coentro e cebolinha. Todo dia chegava um avião com esses produtos. Hoje já não acontece isso. Já temos produção de hortaliças.

Mas o que dificulta o agronegócio aqui são os custos de produção. Os insumos, adubos, ainda são muito caros.

JC – Planeja-se uma grande plantação de soja em Humaitá. Como a Embrapa avalia esses impactos da produção ao meio ambiente?

ER – De um modo geral, a Embrapa defende a ideia de que não precisamos derrubar mais nenhuma árvore para tornar a Amazônia produtiva e econômica para quem mora aqui.

Acreditamos que temos mercado para muitos produtos. De anos atrás, o açaí tinha uma cadeia produtiva de US$ 1 milhão. Hoje saltou para US$ 1 bilhão.

Vemos que a soja tem potencial para se adaptar às nossas condições. A Embrapa lançou uma variedade adaptada à situação brasileira. De um modo geral, essa cadeia produtiva pode impactar muito em custos. Por enquanto, não vemos uma viabilidade econômica na soja.

JC – O café de Apuí ficou famoso, ganhou destaque. O que a Embrapa tem feito para ajudar os produtores?

ER Não só Apuí, Silves tem também um café espetacular. O café tem essa particularidade de algumas variedades se localizarem bem a condições climáticas.

A produção só tende a crescer tamanha tem sido a aceitação e também com o preço convidativo, vai valorizar muito.

JC – A Embrapa desenvolveu uma pupunha sem espinho….?

ER – Existe, sim, uma pupunha ou pupunheira sem espinhos. A gente fala de domesticação de plantas. Mas o processo de produção ainda não está totalmente desenvolvido. Pensamos no futuro. O palmito da pupunha é um espetáculo, como também o cupuaçu sem caroço. São situações muito positivas.

JC – Sabemos que o setor de agronegócios cresce. Talvez seja o ‘carregador de piano’ do PIB brasileiro. De que forma, a Embrapa pode ajudar esses mercados, dado o número de tantas restrições locais,  e ainda como possibilitar a exportação?

ER – A Embrapa tem 43 unidades no Brasil. Quando eu fiz meu mestrado e doutorado na Embrapa de Fortaleza, vi o que acontece com o caju. O produto fica três dias numa câmara fria –sai do Piauí e chega em São Paulo sem estragar.

São trabalhos que a Embrapa faz sobre melhoramentos no pós-colheita. Então, amplia-se a vida da fruta que você quer trabalhar. Nós fizemos isso com o abacaxi de Novo Remanso. Hoje, um dos produtos lançados pela Embrapa aqui foi uma cera desenvolvida para aumentar a vida útil dos frutos que são exportados e comercializados. É o que chamamos de ‘nanoemissão de carnaúba’. Não adianta cultivar o que não chega à nossa mesa com qualidade.

Por exemplo, a banana recebe mais ou menos de 17 a 30 impactos antes de chegar para ser consumida. Desde a hora que é colhida até chegar à  sua mesa.

Os nossos guaraná e açaí são muito queridos no mundo.Então, ao invés de exportar uma tonelada de 200 litros de açaí, poderíamos exportar o sachê de 100 gramas em pó, contendo todas as propriedades do produto. Temos tecnologia pra isso.

JC – Como acontece a interação com o pequeno e médio produtor…..?

ER – É uma via de mão dupla. De um tempo pra cá, o produtor chega até nós. A Embrapa  tem parceria com várias pessoas físicas e pessoas jurídicas.

Trabalhando com seringueira, pude levar material para 22 localidades no Amazonas.

O associativismo, cooperativismo, é um meio muito eficiente de inclusão dessas tecnologias. Temos nossos meios de comunicação pela internet para viabilizar esse atendimento, SAC ao cidadão. O nosso sonho é que essas tecnologias cheguem a todos os produtores. É a nossa grande meta.

JC – A pandemia exige um aperfeiçoamento contínuo com a utilização de novas ferramentas de trabalho e interação. A Embrapa vem atendendo a essas novas necessidades?

ER – Sim. O uso dessas novas tecnologias pode permitir que o conhecimento chegue aos rincões do Amazonas. É uma forma eficiente. Nossos custos diminuíram muito e podemos destinar esses aportes para pesquisas.

 A ciência é o elemento mais importante para a Embrapa oferecer à sociedade. Sempre somos bem acolhidos onde chegamos. O nosso trabalho é muito bem absorvido.

Vencemos preconceitos como os transgênicos. Hoje temos poucas coisas transgênicas. Trabalhamos com ‘edição genômica, gênica’, não produzimos mais nenhum organismo estranho entre organismos.

JC –Essa questão da piscicultura. Existe uma luz, uma possibilidade para o Amazonas deixar de depender da importação de peixes de Rondônia, a curto e médio prazos?

ER – A questão da dependência de Rondônia sobre a piscicultura tem a ver com a normatização do Estado que limita o tamanho das propriedades. De um modo geral, a tecnologia que o pessoal de Rondônia usa é a mesma que desenvolvemos aqui. E está disponível também para o Amazonas. A gente entende que temos o nosso papel e respeitamos a legislação. Mas vemos que o Amazonas tem um potencial astronômico na piscicultura.

Pesquisas desenvolvidas estão na plataforma da Embrapa. De oito espécies em que fizemos a análise tecnicamente genérica, o camarão é uma delas, figuram o pirarucu, pirapitinga, matrinxã e o tambaqui, que são nativos praticamente daqui.

Esse material está preservado no banco genético. Fizemos parceria com a Embrapa em Palmas. Temos muito a oferecer. Também sobre eficiência em novos alimentos, controle de doenças…

 JC – Já se começa a discutir uma possível revisão no código ambiental do Amazonas. Rondônia conseguiu movimentar R$ 1,5 bilhão com agricultura familiar, enquanto o Amazonas só atingiu um pouco mais de R$ 20 milhões.  E especialistas atribuem esse baixo desempenho a questões sobre licenças ambientais. Como avalia essa questão?

ER – A Embrapa se preocupa com uma produção sustentável. A do Amazonas foi uma das cinco  primeiras unidades a serem criadas no Brasil.

Tudo o que desenvolvemos pode ser aplicado aqui. Nossa preocupação é produzir tudo dentro da legalidade. Temos participado de um grupo de discussão sobre  análise de leis. Estamos dando todo o suporte técnico para não ferir as legislações. É o nosso compromisso.

O que acontece é que nunca fomos demandados tanto quanto nos últimos quatro anos. O governo tem feito concursos no Idam. Em pouco tempo, acreditamos que com a atuação desse novo quadro de pessoal o desempenho será muito melhor.

JC – A pandemia tem lançado muitos desafios. Há muitos impactos sociais, como a questão do desemprego, a inflação nos alimentos, o preço da carne, que poucas pessoas podem hoje comprar. A Embrapa tem a preocupação de contribuir para a oferta de produtos mais acessíveis nesse momento tão crítico?

ER – O problema da fome passa muito pela questão da urbanização. Éramos um país que tinha 70% dos habitantes no meio rural e 30% nas cidades. Agora, a situação se inverteu. O acesso ao alimento no meio rural é menos custoso que na capital. Tudo que a Embrapa faz é pensando  em aumentar a produtividade.

De 1970 pra cá, muitos produtos reduziram seus custos em 70%. Hoje, temos uma quantidade enorme de produtos que consumimos aqui que o Brasil inteiro desconhece. Então, em muitas regiões do Amazonas não temos insegurança alimentar porque as pessoas conseguem tirar o alimento de onde outras populações não estão habituadas. E isso tudo resulta do nosso trabalho na Embrapa

JC – Tem alguma plantação de mapati. A Embrapa faz esse cultivo?

ER – Não temos porque, de um modo geral, a Embrapa trabalha de acordo com as demandas daqui, principalmente mandioca, banana, cítricos, guaraná, cupuaçu. Agora, acreditamos que em pouco tempo frutas como o mapati, conhecida como a uva do Amazonas, vão se incorporar, e a gente vai trabalhar.

JC – Vivemos agora a cheia que afeta muitas culturas e dá grandes prejuízos aos produtores. Existe alguma saída para essa tão recorrente situação?

ER – Infelizmente não há solução para o que é cultivado na várzea. Temos  para áreas de cerqueiro, com uma produtividade que pode saltar de 12 toneladas para 48 toneladas de produtos.

Em Presidente Figueiredo e Silves, cultivavam produção de banana com aplicação de fungicidas nas folhas. E a produtividade é fantástica. Temos tecnologia pra isso, com condições de produzir mudas em grandes escalas para prevenção dessas catástrofes.

JC – Já se fala no potencial do babaçu. Lá atrás, o dendê não deu muito certo para produção de biodiesel. São pelo menos dez milhões de pés da cultura em Barreirinha. A Embrapa vem ajudando nessa nova cadeia produtiva?

ER – A Embrapa mandou dois pesquisadores para atender a essa demanda, feita pelo deputado estadual Sinésio Campos. Então, vamos estudar a cadeia e se houver viabilidade, tocaremos adiante. Isso é importante. A Embrapa tem orgulho em poder colaborar.

Foto/Destaque: Divulgação

Marcelo Peres

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