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Diversidade no Amazonas cresce, segundo pesquisa do IBGE

Em torno de 2,3% dos habitantes do Amazonas com 18 anos de idade ou mais se declaram homossexuais ou bissexuais. São 60 mil pessoas em um universo de 2,6 milhões. A maioria esmagadora se identifica como heterossexual (94% ou 2,5 milhões), mas os 3,7% (97 mil) restantes estão em dúvida sobre a própria sexualidade, ou pelo menos preferiram não responder. A proporção do público LGBTQIA+ é ainda maior entre os 1,5 milhão de habitantes de Manaus com 18 anos ou mais chegando a representar 3% (46 mil) do total. 

Pode parecer pouco, mas Estado e capital superam a média nacional (1,8%) e a região Norte (1,9%) nesse quesito. A  conclusão vem dos dados da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) 2019 – Quesito Orientação Sexual, compilados e divulgados pelo IBGE. Sociólogos ouvidos pela reportagem do Jornal do Commercio apontam que os números vão ao encontro das transformações das últimas décadas e seus impactos na construção de identidade de gênero e reivindicação de direitos.

O Brasil tinha 159,2 milhões de pessoas de 18 anos ou mais, em 2019, sendo que 53,2% eram mulheres e 46,8% eram homens. Desse total, 94,8% se declararam heterossexuais; 1,2% homossexuais; 0,7% bissexuais; 1,1% não sabiam; 2,3% não quiseram responder; e 0,1% declararam outra orientação sexual, como assexual e pansexual. Sudeste (2,1%) e Nordeste (1,5%) ficaram nos extremos. As maiores fatias estão no Distrito Federal (2,9%), do lado das unidades federativas, e Porto Alegre (5,1%), entre as capitais.

Segundo o órgão de pesquisa, não houve diferença significativa por etnia. Mulheres são maioria entre os bissexuais (65,6%) e homens predominam entre os homossexuais autodeclarados (56,9%). Já entre as pessoas que vivem na área urbana (2%) esse percentual foi mais que o dobro das que vivem na zona rural (0,8%). Os jovens de 18 a 29 anos apresentaram o maior percentual de pessoas que se declararam homossexuais ou bissexuais (4,8%) –embora também liderem as estatísticas dos indecisos (2,1%). 

A fatia também é maior nos segmentos do topo de nível de instrução e renda. No grupo com nível superior, 3,2% se declararam homossexual ou bissexual, contra os 0,5% dos que fizeram a mesma afirmação e contavam no máximo com fundamental incompleto. O mesmo se deu nos domicílios com renda per capita acima de cinco salários mínimos (3,5%), quando comparados aos estratos mais pobres.

Privacidade e medo

O supervisor de disseminação de informações do IBGE-AM, Adjalma Nogueira Jaques, explicou que esta é a primeira vez que o órgão federal divulga um levantamento sobre o tema de orientação sexual e, por isso, ela está classificada como de “caráter experimental”. O pesquisador destaca que ainda é necessário que o levantamento atinja um grau de harmonia, cobertura e metodologia, mas ressalva que o trabalho adotou o mesmo padrão de investigação que vem sendo desenvolvido por outros países. 

“Dentro da Pesquisa Nacional de Saúde, aplicamos uma única pergunta direcionada aos moradores de 18 anos para cima. Em cada domicílio, os entrevistados foram selecionados de forma aleatória, entre os moradores da casa. Essa pessoa poderia responder diretamente ao agente, ou poderia responder diretamente no aparelho coletor, sem o conhecimento do pesquisador. Buscou-se assegurar a privacidade do informante”, afiançou.

Em matéria postada no site da Agência de Notícias IBGE, a coordenadora da pesquisa, Maria Lúcia Vieira, salienta que, dado que o tema ainda é sensível no Brasil, a sondagem foi feita com cuidado para preservar a privacidade dos entrevistados. Os principais motivos apontados são o estigma social que ainda pesa no país sobre lésbicas, gays e bissexuais. “O número de pessoas que não quiseram responder pode estar relacionado ao receio. Diversos fatores podem interferir, como contexto cultural, morar em cidades pequenas, contexto familiar, se sentir inseguro para falar com uma pessoa estranha, a indefinição quanto a sua orientação sexual, e a não compreensão dos termos, entre outros”, listou.

A coordenadora da pesquisa observou ainda que há pessoas que se sentem atraídas por outras do mesmo sexo, mas que não se identificam como lésbicas, gays ou bissexuais. “Para a captação dessas diferentes formas de avaliar a orientação sexual, seria necessária a investigação do comportamento e da atração sexual, conceitos diferentes da autoidentificação, que não foram investigados na PNS”, frisou.

Direitos e reações

O sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), Luiz Antonio Nascimento, argumenta que o processo de redemocratização do país trouxe direitos que foram “acumulados” nas últimas décadas. O acadêmico ressalta que os governos criaram políticas públicas e leis, que favoreceram uma “organicidade” com os movimentos LGBTQIA+ e a construção das reivindicações desse público. No Amazonas, a questão teria evoluído com o “aumento exponencial” da oferta de ensino superior, onde o debate da questão de gênero veio à tona. 

“Temos uma história de luta e tivemos uma Associação [Amazonense de Gays, Lésbicas e Transgêneros] presidida pelo saudoso Adamor Guedes, que é uma referência nacional. Mas, a gente não pode perder de vista também que cada conquista produz uma reação homofóbica, machista e violenta. O Brasil é um dos países que mais agridem e matam homossexuais, e Manaus segue essa tendência. Há uma contradição aí. Mas, a autodeclaração é uma disposição de assumir sua identidade, mesmo que isso implique riscos. E uma coragem para dizer ‘eu existo, sou diferente e exijo respeito’”, asseverou 

Narrativas e organização

A socióloga e pesquisadora da UFRR (Universidade Federal de Roraima), árcia Maria de Oliveira, aponta o peso das narrativas para um papel insuspeito de Manaus nesse cenário. Ela conta que, quando coordenava a sede local da pastoral dos migrantes, chegou a ouvir que a capital amazonense era vista –em países como Peru, Colômbia, Chile e Venezuela – como um lugar acolhedor para os homossexuais. E acrescenta que, mais tarde, começou a perceber essa visão também entre migrantes do interior e de outras regiões do Brasil.

Márcia Maria de Oliveira avalia que existem narrativas que continuam atraindo migrantes que vão ampliando o ciclo de relações e encorajando outros segmentos da sociedade a “se assumirem também”. A socióloga argumenta que, muito mais do que um local que acolhe pessoas que se assumem homossexuais, Manaus acabou se tornando um lugar no qual o público LGBTQIA+ vem se organizando historicamente, enquanto categoria social

“Há poucos meses entrevistei um cubano que me disse que, por mais que enfrentasse hostilidade em Manaus, isso ‘não chegava nem perto do que ele havia enfrentado em Cuba’. Ouvi narrativas parecidas de outras nacionalidades. Recentemente, uma jovem sobrevivente de um ‘estupro coletivo’ no Rio de Janeiro me dizia que aqui ela havia encontrado parceiros/as que a ajudaram a superar, de alguma forma aquela situação covarde e monstruosa. Então, acredito que o fato esteja no acolhimento interno desses grupos, e não na sociedade em sua generalidade”, arrematou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio
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