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A modulação dos efeitos em questões tributárias e seu desvirtuamento

Hamilton Almeida e Milton Carlos Silva, advogados

O Supremo Tribunal Federal, na última sexta-feira, dia 17/12/21, estabeleceu a modulação dos efeitos da decisão proferida no RE 714.139, onde foi formulada a tese tributária a respeito da inconstitucionalidade das alíquotas do ICMS de energia elétrica e telecom em função da essencialidade dos bens e serviços.

Portanto, os efeitos do julgamento valerão apenas a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando apenas quem ingressou com ações até a data de início do julgamento do mérito, isto é, 5 de fevereiro de 2021.

Isso significa que o STF criou, na prática, a inconstitucionalidade futura das alíquotas do ICMS sobre energia elétrica e sobre as telecomunicações, a não ser para quem ingressou com ação antes da data de início do julgamento. Para esses, a alíquota é inconstitucional desde sempre, portanto não só não pagarão mais a alíquota inconstitucional, como ainda terão direito a restituição dos valores pagos a maior.

 E é aí que surge o problema. A modulação dos efeitos da decisão surgiu no intuito de flexibilizar o dogma da nulidade no direito. Isso porque uma lei declarada inconstitucional é considerada nula desde sempre. Como consequência, todos os atos praticados sob a égide dessa lei devem ser desfeitos, já que a norma nunca chegou a entrar em vigor.

Só que na prática, essa nulidade absoluta de leis inconstitucionais acaba por apontar impropriedades ou até mesmo a impossibilidade de sua aplicação, pois alguns atos irreversíveis, que foram praticados com esteio nessas leis antes delas virem a ser declaradas inconstitucionais, não tinham como ser desfeitos. Assim, surgiu o instituto da modulação dos efeitos, que no Brasil foi introduzida pelo art. 27 da Lei 9.868/99, onde o STF, por maioria de dois terços de seus membros, ganhou o poder de restringir os efeitos das declarações de inconstitucionalidade.

Portanto, o escopo dessa lei era de dar uma válvula de escape em casos extraordinários, para que as decisões se adequassem a situações da vida.

Mas, infelizmente, o que veio para ser uma exceção e atingir apenas casos excepcionais tem se transformado em regra no Brasil, aumentando ainda mais o nível de insegurança jurídica.

Em matéria tributária, o normal seria que os efeitos da decisão que declara uma lei inconstitucional é de que surtam consequências desde a edição dessa norma. A excepcionalidade deve ser muito bem fundamentada e só deve ocorrer no caso de relevante interesse social, segurança jurídica e quando há alteração de jurisprudência dominante nos tribunais superiores.

Entretanto, não é isso que temos visto. No caso do RE 714.139, o STF se baseou no pleito das fazendas públicas e no orçamento já feito para 2022, porém, interesse social não é o mesmo que interesse do Estado. E as pessoas físicas ou jurídicas que não ingressaram com a ação até a data de início do julgamento, como é que ficam? Não é de interesse social que as empresas não sejam prejudicadas por cobrança indevida de tributo? Onde está o princípio da igualdade ou da livre concorrência?

E mais, no caso do RE 574.706, a respeito da declaração da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, a modulação considerou a data final do julgamento, sendo que no RE 714.193 foi considerada a data de início. Ora, com base em qual técnica jurídica resolveu-se que a data de início do julgamento é a base para modulação? O que podemos esperar para julgamentos futuros?

Temos, portanto, o STF causando uma grave desarmonia econômica, em que empresas de um mesmo setor terão milhões de reais a restituir, ao passo que outras não terão nenhum valor e somente em 2024 é que passarão a pagar menos imposto na energia elétrica e em serviços de telecom.

Pior, abre-se um precedente para o Estado formular leis inconstitucionais e adentrar no bolso dos contribuintes, garantido arrecadação indevida, já que virou regra a modulação temporal para “resguardar os cofres públicos”.

É completa desmoralização desse instituto. Temos um salvo conduto para o estado meter a mão no seu bolso de forma ilegal e ainda sair sorrindo. É a institucionalização do roubo! 

Fecomércio

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