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Desenvolvimento ou preservação?

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A recente greve dos caminhoneiros trouxe a tona um debate que até então estava provisoriamente adormecido: o investimento nas rodovias para transporte de cargas no país, em especial o término da BR-319. O eterno embate entre os desenvolvimentistas e os ambientalistas parece não ter mais fim. De um lado, a defesa da continuidade da pavimentação da rodovia como um dos mecanismos para favorecer a escoação dos produtos dos setores econômicos do Amazonas. Do outro, o pensamento de que qualquer intervenção na estrutura pode trazer danos irreparáveis à biodiversidade que ocupam a área.

Ainda que a maior parte da rodovia já tenha sido pavimentada, restam 400 quilômetros – do trecho que vai do 250 quilômetro ao 655 – que ainda aguardam o licenciamento ambiental do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que só será entregue na metade de 2019. Defensor do desenvolvimento econômico alinhado com a preservação do meio ambiente, o professor e doutor em geografia humana da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), Marcos Castro, explica que uma das melhores formas de dar fim ao debate é criar uma articulação dos poderes municipais, governamentais, federais e autoridades ambientalistas, para desenvolver um sistema de fiscalização das obras, de forma que não descumpra nem uma diretriz ambiental.

“O estado deve implementar e fiscalizar áreas de proteção dando incrementos jurídicos ao redor dessa rodovia de forma que não haja problemas com o meio ambiente. A relação econômica e ambiental está fragilizada. Não há um respeito com as instituições. Precisamos criar mecanismo de defesa. A estrada facilita. Para desenvolver não basta apostar nas instituições e sim nas regras do jogo. As pessoas têm que cumprir o contrato. Na região tem pessoas e elas precisam viver bem, mas com proteção ambiental. Eles são importantes. Buscar meio de explorar os recursos sem criar danos para o meio ambiente e a sociedade”, disse

Castro explica que é preciso ter um entendimento de todas as partes envolvidas, e que a escoação de produtos em todo território amazônico não pode ficar dependente apenas de um único sistema de transporte, como o sistema de fluvial. E reforçou que o sistema de transporte de carga fluvial de Manaus tem um serviço ineficaz com um preço acima do mercado, o que torna os serviços caros para os setores econômicos do estado.

“Os portos de Manaus tem um volume de negócio pequeno com serviço ineficaz e monopolistas que tem poder de mercado e coloca um preço acima do mercado. Isso fica caro. E tudo somado ao preço do combustível ficar caro. Somos reféns de não ter estrada e isso encarece a escoação da produção dos setores da indústria, comércio e agricultura do Amazonas. O transportes fluvial está nas mãos de poucos e não há concorrência. As ferrovias são importantes. Mas precisa estabelecer regras de exploração de estrada e fazer cumprir para não causar nenhum dano ambiental. É preciso estabelecer política de desenvolvimento”, reforçou.

O professor citou o exemplo da BR-174, que segundo ele possui uma vasta reserva indígena com proteção jurídica que impedem o desmatamento, mas que permitem o desenvolvimento, e reforçou a ideia de que é possível construir sem degradar. “É possível criar estradas sem desmatar. Hoje temos muitas leis que regulamentam nosso país. O que falta é a fiscalização e fazer o cumprimento. O problema não é a rodovia e nem os ambientalistas,s e sim uma questão de princípios de fiscalização’, disse.

Além do embate entre os que defendem o desenvolvimento econômico e os ambientalista, o professor destacou a briga de interesses no assunto. “Existe interesses dos transportes fluviais que podem sofrer com a concorrência das estradas. Já tem todo um sistema de transporte de carga na amazônia que se sustenta da não existência da BR-319. Como os donos de balsa. Em Manaus temos uma das maiores taxas portuárias do Brasil, para esse público é desinteressante ter uma concorrência. Esse grupo está interessado em manter”, explicou.

Ambientalista

Ecólogo que estuda a Amazônia há mais de 40 anos, o pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia),Philip Fearnside, destacou que o plano de construção da BR-319 não apresentou nenhum argumento econômico que justificasse a sua criação. E reforçou que a sua criação não houve tráfico suficiente que justificasse o alto custo de sua manutenção. Por outro lado, ressaltou que a sua construção causaria impactos irreversíveis para a fauna e flora ao redor.

“Há um estudo que mostra que é mais viável transportar os produtos de Manaus via fluvial do que pela rodovia. É 37% mais barato. Via fluvial não tem prejuízo de roubo de carga, não tem o problemas da questão de combustíveis por parte do caminhão. E além do mais, não foi apresentado o estudo de viabilidade da via, nada foi apresentado. Mesmo que houvessem políticas que fiscalizasse, não adiantaria muita coisa. Mas o impacto não é isso. Trata-se de levar a migração do ‘arco do desmatamento’, em Rondônia, para a Amazônia Central, que se espalha pelas estradas que já existem”, disse.

Fearnside citou um estudo elaborado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que no período de 2015 até 2016, o desmatamento na área da BR-319 aumentou de 9.1 para 17.6 Km².

O pesquisador explica, que experiências anteriores de construção e melhoria
de estradas na Amazônia resultaram em um padrão de desmatamento que se espalha para além das vias de acesso quando estabelecidas, e que se aceleram quando estas são melhoradas. E ressaltou os possíveis problemas que a construção que a pavimentação da estrada causaria.

“Outro processo que indica um aumento potencial no desmatamento ao longo do eixo da rodovia caso a estrada seja pavimentada é a chegada de migrantes sem-terras. Isto inclui, por exemplo, o estabelecimento de um acampamento de sem-terras no Igarapé Realidade. Os migrantes sem terra no acampamento no Igarapé. Além dos migrantes no Igarapé Realidade, um fluxo de pessoas procurando terra de forma independente apareceu buscando áreas para estabelecer posses. Alguns destes vêm de barco, sendo deixados às margens do rio Madeira para então vagar pela floresta em busca de terra não ocupada”, destacou.

O professor reforça, que o efeito da BR-319 não é apenas restrito à área diretamente acessada pela rodovia, mas também por uma série de estradas laterais planejadas que conectarão a BR-319 a sedes municipais nos rios Madeira e Purus que incluem os municípios de Manicoré, Borba, Novo Aripuanã e Tapauá. Em seu artigo, o professor afirmou que “os planos para as estradas laterais já estão estimulando os políticos locais a resistir à criação de reservas de proteção ambiental perto das rotas propostas. A existência de áreas protegidas de vários tipos pode reduzir significativamente a velocidade do avanço de desmatamento, assim reduzindo a probabilidade de que qualquer determinado hectare sofra uma transformação de floresta para outro uso da terra. Às vezes um mero rumor de que uma reserva será criada pode desencorajar a invasão. No momento não há quase nenhuma reserva para restringir o desmatamento ao longo da BR-319”, explicou.

Questão histórica

Para o superintendente adjunto de planejamento e desenvolvimento regional da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), Marcelo Pereira, a questão do transporte de carga e logística no Brasil é um problema estrutural que vem se sustentando ao longo de toda história. “A matriz de transporte brasileiro é desbalanceada. Em em meados do século passado o governo brasileiro entrou na questão rodoviarista para induzir a logística a partir de rodovias. A questão é que naquele momento da história já era um país com um certo volume de transporte ferroviário e marítimo/fluvial”, conta.

Pereira explica que por se tratar de um país continental, é necessário que se criem formas transportes balanceadas de forma que haja redução dos custos, tempo e não haja degradação ao meio ambiente, e reforçou que atua forma de atuação do país no sistema de transporte de carga, não se encaixa com o seu tamanho territorial. “O esforço brasileiro se deu basicamente para uma direção que são as rodovias. Incentivou-se a indústria automobilística da época, mas por outro lado gerou-se um desbalanceamento no meio de transporte brasileiro. Quando se compara o Brasil com os demais países do mundo, ele está totalmente fora das estrutura logística mundial. Ele está do lado de de países como França, Bélgica, Alemanha, países minúsculos europeus que tem a matriz rodoviário, porque se torna muito mais eficiente em países menores. O Brasil precisa balancear a sua matriz de transporte”, disse.

Pereira reforçou, que as decisões do Brasil de escolher o modelo de logística de caminhões como principal meio, trouxe ao longo do tempo um desequilíbrio nos diferentes modais de transportes de cargas do país. Por ser um sistema pouco efetivo e menos econômico para seu espaço territorial, a consequência foi de mais gastos e problemas com meio ambiente.

“Quando você pega países com extensão continentais como Canadá, rússia, Estados Unidos e China, você percebe um balanceamento de matriz de transporte com tendências muito mais para o modelo hidroviário e ferroviário. Porque esses transportes, apesar de serem lentos em relação ao rodoviário, eles são muito mais vantajoso para grandes distância devida a situação continental. É um transporte planejado e um custo de unidade de produto transportado muito mais baixo. Emite muito menos gases de efeito estufa do que o rodoviário”, disse.

Alternativas

Pereira explica, que o sistema de rodovia só é efetivo se for integrado e balanceado com os demais modais de transporte, fator que segundo ele que reduz e equilibra os custos logísticos. E reforçou que, é importante o acompanhar e elaborar uma estrutura de planejamento e fiscalização para os dois meios, caso contrário o complemento das diferentes formas não será efetivo.

“A BR 319 é paralela a hidrovia do Madeira. Quandos se fala de transporte de carga, essa hidrovia embora demorada, se houver custo de manutenção eficiente ela é mais muito mais vantajosa e barata do que propriamente a BR 319. Em relação a tempo a BR é mais é mais vantajoso, tudo é questão de custo de oportunidade. Qual o custo ambiental de se implantar a rodovia? Se não houver fiscalização haverá um custo ambiental. O país está preparada para fiscalizar aquela rodovia? Uma resposta que o ministério do Meio Ambiente e de Transporte precisa dar”, reforçou.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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