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Desenvolvimento de dentro para fora

Esta é a hipótese, esta é a aposta: a mobilização democrática e produtiva dos territórios como uma via de transformação social. Há questões de fundo – não limitadas a um país ou a uma região do planeta – que permitem a emergência dessa hipótese. Elas residem, em boa parte, no contexto atual que conjuga reestruturação produtiva, crise da sociedade salarial e primado do trabalho imaterial (informação, comunicação, conhecimento). Re­sidem, especialmente, no potencial que se abre – no avesso das dinâmicas de dominação e exclusão – para a imbricação entre aprofundamento da democracia e criação de novas possibilidades de cooperação produtiva. Em outras palavras: para o florescimento de territórios democrático-produtivos. Assim pode ser enunciada a hipótese do desenvolvimento desde o local.

O deslocamento de uma lógica de ações setoriais ou pontuais para uma lógica sistêmica de desenvolvimento territorial é aqui proposto como um caminho vigoroso de inclusão social. Sem cooperação no território, sem inteligência coletiva a circular em redes locais, haverá como incluir e alavancar o “andar de baixo”, o circuito inferior da economia, para além da reprodução do informal e do precário?

A ênfase na mobilização democrática e produtiva dos territórios é inseparável da percepção de que o crescimento econômico, ainda que essencial, ainda que acompanhado de ações redistributivas, não garante inclusão social ou redução das desigualdades. Diferentemente, é preciso distribuir para desenvolver. E distribuir não apenas renda, mas conhecimento e poder – o que não se faz de cima para baixo ou de fora para dentro.

Isto significa apontar para agendas estratégicas fora dos parâmetros mercadocêntricos ou estadocêntricos. O desenvolvimento local expressa essa inflexão, diferenciando-se tan­to do dirigismo do mercado quanto dos modelos de planejamento centralizado e setorial. Trata-se de perceber os territórios não como pontas (para usar o jargão que ainda predomina nas nossas instituições), mas como ambientes de constituição de novos fluxos, desconstruindo a associação ainda tão frequente entre ação vertical e mudança estrutural.

E isto não é uma idéia “fora do lugar”. Ao contrário, é algo que está aí, que se torna visível pela profusão de iniciativas e experiências que revelam a capacidade de serem instituídos, desde as bases da sociedade, novos territórios democrático-produtivos.

São inúmeros os obstáculos e resistências a processos dessa natureza, a começar pela nossa cultura política, marcadamente clientelista, centralizadora e corporativa.

Ainda assim, o Brasil é hoje um palco vivo de ações inovadoras que têm as comunidades locais como pro­tagonistas. São processos certamente embrionários, com avanços, retrocessos e novos desafios, mas que já apontam para alternativas de desenvolvimento que têm suas bases nas redes sociais e na democracia local.

Mais do que mero refúgio tático (enquanto os “grandes destinos” seriam traçados por outras mãos), a busca de alternativas de desenvolvimento de base territorial mexe com questões de fundo, aliás, mexe com as principais questões de fundo, pois se contrapõe direta e concretamente aos mecanismos que reproduzem a dominação, a segregação social e a degradação ambiental.

Há motivos de sobra para que se fortaleça a percepção de que mudanças sociais profundas – isto é, mudanças não impostas, mudanças que não sejam simples mudanças de “donos do poder” – requerem a mobilização democrática e produtiva dos territórios, re­querem a potência dos locais em conexão, como forças capazes de produzir política, economia e cultura sob novos vínculos e que venham em bene­fício da sociedade.

Caio Silveira é sociólogo, coordenador da Expo Brasil De­sen­vol­vi­mento Local e de projetos especiais para o Terceiro Setor.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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