O primeiro informe sobre as apurações do apagão do dia 15 de agosto aponta que geradores não enviaram informações corretas sobre o desempenho de seus equipamentos para o ONS (Operador Nacional do Sistema).
Essa imprecisão teria comprometido o planejamento e a operação do sistema, algo que é feito diariamente com base nesses dados enviados por empresas.
O ONS não especificou quais empresas e fontes hidrelétricas, térmicas, eólicas ou solares teriam fornecido dados que não bateram e reafirmou que, por causa da complexidade do evento, permanece aprofundando as análises.
Desde o apagão, no entanto, já alterou a operação, utilizando mais hidrelétricas para dar mais estabilidade ao sistema.
Dados são a essência do bom funcionamento do setor elétrico. O planejamento e a operação no dia a dia consideram as informações enviadas por todos os agentes de geração, transmissão e distribuição, explicam os especialistas na área.
“O ONS e a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] precisam da informação correta dos parâmetros elétricos e energéticos de todas as fontes, sobretudo das renováveis, para poder operar e planejar o sistema, garantindo a confiabilidade a mínimo custo”, afirma Luiz Augusto Barroso, presidente da consultoria PSR, especializada em energia, e ex-presidente da EPE.
“São muitas informações novas, sobretudo na parte elétrica, onde a gestão da operação pelo ONS é muito dependente de informação correta submetida pelos agentes.”
Dados incorretos estão entre as causas do apagão mais emblemático da história do país, o de 2001, que levou ao racionamento de energia. A estimativa de energia assegurada em cenário de risco na época estava superdimensionada, dando a falsa ideia de que os reservatórios suportariam uma seca, o que não se confirmou.
O problema foi relatado no documento final sobre aquele apagão, que ficou conhecido como “relatório Kelman”, por ter sido coordenado por Jerson Kelman, um dos maiores especialistas em energia e água do país e ex-diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)
“A depender da evolução das apurações do ONS, talvez a gente tenha neste outro apagão a oportunidade de aperfeiçoar essa regulamentação sobre dados”, disse Kelman.
O ONS já havia apontado que o evento zero do apagão em 15 de agosto deste ano foi uma falha na linha de transmissão entre Quixadá e Fortaleza, no Ceará, que faz parte da Chesf, subsidiária da Eletrobras na região Nordeste.
A linha sofreu forte oscilação com queda de tensão. O sistema de proteção, que desligaria a linha, não funcionou, e o distúrbio se espalhou pelo sistema.
Todos os especialistas, inclusive o próprio ONS, insistiam que esse tipo de problema não explicava o blecaute, pois a deficiência pontual nessa linha não teria condições técnicas de gerar um apagão de proporções nacionais.
O abastecimento do país é definido com base em modelos matemáticos, softwares, alimentados com dados enviados por todos os agentes do setor quando entram em operação.
Com o apagão, o ONS fez checagem de suas projeções, rodando os modelos nos computadores. Em nenhum cenário a falha na linha no Ceará se propagava, porque os geradores garantiam tensão para o sistema. Diz o texto:
“Nas simulações realizadas pelo operador com os parâmetros enviados pelos agentes na entrada em operação das usinas geradoras, os quais compõe a base de dados oficial do ONS, não foi possível reproduzir a perturbação ocorrida no dia 15 de agosto”, destacou o texto do ONS.
“Em todos os testes realizados com esses dados não foi observada redução de tensão que viole os procedimentos de rede, como a que ocorreu após o desligamento da LT 500 kV Quixadá Fortaleza II.”
No entanto, os geradores tiveram de reenviar informações após o apagão. Com base nos dados novos, o ONS constatou que os geradores não garantiam a tensão necessária.
“Somente com as informações recebidas dos agentes após a ocorrência foi possível reproduzir, no ambiente de simulação, a perturbação do dia 15 de agosto”, diz o texto.
“A partir dessas novas informações, o ONS realizou uma análise minuciosa da sequência de eventos e testou múltiplos cenários, que apresentaram sinais de que o desempenho dos equipamentos informado pelos agentes ao ONS antes da ocorrência é diferente do desempenho apresentado em campo. Importante destacar que o problema identificado não tem relação direta com o tipo de fonte geradora.”
Será preciso avaliar como ocorreu o erro de informação. Muitos geradores entram em operação oferecendo apenas as informações do fabricante, deixando a validação sobre o desempenho do equipamento na prática para outro momento.
Uma leitura para o problema é que a informação sobre esse desempenho na prática não está sendo repassado ao ONS no melhor prazo.
O ONS divulgou as informações após a primeira reunião com agentes do setor para elaborar o RAP (Relatório de Análise de Perturbação). Mais de 1.000 profissionais participaram do evento online. O próximo encontro está marcado para 1º de setembro.
“Para mim, duas questões são importantes na nota do ONS. Primeiro, a constatação de que não houve um segundo distúrbio. Segundo, o ONS informar que só depois foram encontrados sinais de que as fontes de geração próximas à linha de transmissão não apresentaram o desempenho esperado”, afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia e ex-diretor-geral do ONS.
“Se a simulação mostrasse isso antes, a operação poderia ter sido diferente naquele dia.”
Nesta semana, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, vai estar em duas comissões do Congresso para falar sobre o apagão, exploração de petróleo e mineração, a de Minas e Energia e a de Fiscalização Financeira e Controle.
Procurada pela reportagem, a Eletrobras enviou nota afirmando que “as empresas do grupo Eletrobras não alteraram as informações e os dados dos seus equipamentos antes e depois do distúrbio”. A companhia controla ou tem participações nas maiores hidrelétricas do país.
A Absolar, que representa o setor fotovoltaico, informou que aguarda o RAP para se manifestar sobre o apagão, mas destacou que não apenas as empresas, mas também os reguladores precisam manter os dados atualizados.
“Tais dados fornecidos pelos agentes devem ser objeto de conferência e auditoria pelo ONS, não se limitando, portanto, à autodeclaração, com o fornecimento dos documentos comprobatórios”, afirma o texto.
“É fundamental que os modelos de simulação do desempenho do sistema elétrico, que naturalmente apresentam uma diferença em relação à operação em tempo real, estejam atualizados e calibrados, com dados críveis dos equipamentos elétricos, de modo a antecipar e mitigar perturbações sistêmicas.”
A Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas) enviou nota à reportagem afirmando que, “no dia 15 de agosto, não haviam usinas termelétricas próximas à LT Quixadá-Fortaleza II sendo despachadas pelo ONS”.
ABEeólica, que representa geradores eólicos, afirmou que não tem como tratar de temas particulares de empresas.