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‘Cartórios evoluíram na pandemia’, diz Marcelo Lima

‘Cartórios evoluíram na pandemia’, diz Marcelo Lima

A pandemia deixa um legado de inovação, modernização, na atuação dos cartórios que agora aperfeiçoam os serviços através das plataformas digitais, criados pela necessidade imperiosa de não deixar a população sem atendimento durante as medidas de isolamento por conta das ações de combate à Covid-19, não só no Amazonas, como também no resto do país.

O atendimento presencial, tradicional, começa a sumir aos poucos e só acontece ainda nos casos de alguns serviços. Presidente da Anoreg-AM (Associação dos Notários e Registradores no Amazonas), Marcelo Lima Filho ressalta que o avanço nas atividades cartoriais no período foi significativo, facilitando a vida dos usuários que há muitos anos enfrentam o arrocho, um extremo desconforto, provocados pela complicada burocracia brasileira.

“Hoje, a situação começa a se inverter e, aos poucos, os clientes vão se adaptando a essa nova realidade na prestação dos serviços”, avalia Marcelo Lima. “O legado deixado por toda essa situação adversa tem o seu lado bom. A população já vivencia mais facilidade e tem mais acesso aos serviços”, ressalta.

Marcelo Lima falou exclusivamente ao Jornal do Commercio.       

Jornal do Commercio – Chegamos a uma fase de reabertura de quase toda a atividade econômica no Amazonas. Como foi a operação dos cartórios durante uma pandemia que obrigou o governo a decretar a suspensão dos serviços por conta da situação de  emergência na saúde? 

Marcelo Lima Filho – Passamos por uma fase de adaptação na relação com nossos clientes. E tivemos que aderir às normas da Corregedoria de Justiça exigidas sobre prevenção ao novo coronavírus. Inicialmente, não fomos incluídos como serviços essenciais à população, o que só aconteceu posteriormente depois que sensibilizamos o governo nesse sentido. A pandemia não extingue os nascimentos, os casamentos. E os contratos não deixam de acontecer, apesar da crise. Nosso objetivo era não deixar os usuários sem atendimentos.

JC – Houve perdas pelas restrições impostas por conta da pandemia….?

MLF – Sim, efetivamente, mas por outro lado foi bom em termos de segurança tanto para os profissionais como também para os usuários. Ninguém quer correr riscos. E por isso, investimos nessas adaptações. Por exemplo, tivemos uma perda de pelo menos 700% na arrecadação, o que não nos desmotivou a seguir prestando a assistência à população.

JC – Mas de que forma foi realizado esse atendimento numa situação tão atípica…..?

MLF – Houve uma canalização dos serviços para as plataformas digitais. Intensificamos o uso dessas novas ferramentas. Alguns cartórios ainda continuam funcionando de forma presencial com horários reduzidos, uma estratégia adotada por outras instituições e pelo próprio governo para frear o avanço da pandemia.

JC – Como os cartórios conseguiram manter empregos, pagamento da folha, além de outros custos para operar o sistema?

MLF – Seguimos os programas de governo para redução de salários e das horas de trabalho, permitindo que não dispensássemos funcionários. Foi uma grande lição nesses três meses, um aprendizado que agrega mais qualidade através das nossas videoconferências e dos serviços das plataformas digitais. 

JC – Os serviços prestados à população nunca serão os mesmos no pós-pandemia, isso praticamente em todos os setores da atividade econômica. Aqui no Amazonas, como foi essa inovação nos cartórios?

MLF – Nos últimos 20 anos, os cartórios vêm sofrendo grandes mudanças tecnológicas, priorizando a cada dia o aperfeiçoamento dos prestadores de serviços. O atendimento está mais profissionalizado. Estamos recebendo novos colegas que vêm de outros Estados, trazendo sua bagagem técnica e de muita experiência no setor.  Tudo isso vem para agregar esses novos tempos das atividades dos cartórios.

JC – Em quais iniciativas….?

MLF – Conseguimos avançar em cerca de dez ou 15 anos sobre algumas iniciativas inovadoras, que começam a quebrar a resistência da tradição de o cliente ver os profissionais olho no olho, no corpo a  corpo, para ter mais segurança. Aos poucos,  também os clientes se readaptam e se familiarizaram com esse novo atendimento pelas plataformas digitais. Apesar da pandemia, as pessoas buscavam os cartórios, tanto na capital como no interior do Estado. Infelizmente, nunca se viu tanta demanda para registros de óbitos no período. Mais que triplicaram os serviços.

JC – Qual o legado deixado para os cartórios nessa pandemia, se é que se pode chamar assim….?

MLF – Como grande legado, tivemos a implementação do ‘E-enotariado’, uma plataforma digital que lançamos em maio, prestando serviços cartoriais de forma prática, segura e rápida. Já existem unidades similares em outros Estados, mas as regras foram unificadas pelo CNJ em todo o Brasil. As videoconferências permitem observar se a pessoa está lúcida, bem de saúde, etc., o que dá mais garantia aos usuários sobre qualquer serviço na rede.

JC – Que tipos de serviços foram prestados durante a pandemia?

MLF – Por exemplo, fizemos o casamento de 300 pessoas através de videoconferências, por meio do aplicativo ‘zoom’, uma medida praticamente impossível em cartórios com espaços tão reduzidos. Pelos canais digitais, o ‘E-notariado’ permite emissão de procurações, certificados, a pessoas mesmo morando fora do Estado, mas tem que ter domicílio eleitoral aqui. Agora, pode-se lavrar escrituras remotamente, pois os processos ficam armazenados na nuvem. Boa parte dos serviços pode ser solicitada pelos canais digitais. Também tivemos boa demanda sobre união estável, já que algumas pessoas queriam estabilizar a sua relação para terem acesso a benefícios e a planos de saúde, como exigem algumas empresas. Mas estranhamente, os pais não buscaram fazer o registro de filhos.

JC Mas por que pais deixaram de fazer registros dos filhos durante a pandemia….?

MLF – Foi uma situação atípica. A lei de registros públicos estabelece que, devido a essa situação de pandemia, esse prazo para fazer o registro pode chegar até  a 60 dias. Então, atribuímos a isso o motivo de não procurarem pelo serviço.

JC – Como foi a participação dos cartórios sobre a questão da concessão dos auxílios emergenciais? Muita gente deixou de receber os benefícios porque tinha irregularidades no CPF.

MLF – Foi outra inovação nos serviços prestados pelo sistema. A Receita permitiu uma maior capilaridade aos cartórios, que podem agora também fazer emissão de CPF. Hoje, já são pelo menos 15 mil cartórios operando no Brasil e boa parte desse número é de registro civil de pessoas naturais, mais ou menos 8 mil. No Amazonas, todos os municípios têm uma comarca. Portanto, a lei reconhece os cartórios como ofícios de cidadania. Muita gente do interior vive à margem das políticas públicas porque não tem o CPF e muitas vezes morrem sem ter tirado o documento.

Então, o governo acelerou a implementação de uma lei que reconhece os cartórios como ofícios de cidadania. A emissão é gratuita, mas para fazer qualquer alteração no documento tem custo de apenas R$ 7.

JC – Essa lei que permite cartórios emitir CPF, como ofícios de cidadania, divide opiniões ou teve boa repercussão no país?

MLF – Claro, existem críticos do sistema, como acontece com qualquer ação que cause mudanças nos serviços públicos, mas as alterações chegaram para facilitar a vida do cidadão, com certeza.

JC – Como levar o atendimento a toda a população do Amazonas, um Estado continental, que ainda não possui uma infraestrutura digital para alimentar um projeto tão gigantesco como esse?

MFL – Infelizmente, continuamos com essa deficiência. A nossa associação distribui gratuitamente um sistema adequado à nossa realidade. É o ‘cacique web’ que procura amenizar esse problema. Essa nova ferramenta roda em qualquer tipo de internet em Manaus e nos municípios do interior do Estado. Em Manacapuru, é utilizada fibra ótica, mas no Alto Solimões a conexão ainda é muito difícil. É um ponto ainda, digamos assim, de ‘dor’ na prestação dos serviços.

JC – Antigamente, tinha-se muita dificuldade para se ter acesso aos serviços dos cartórios. Até descobrir endereços e onde funcionavam as unidades era difícil. Agora, com as mudanças, como a população tem respondido a essa novação?

MLF – Temos um portal que dá praticamente todo tipo de informações. Os cartórios vêm exercendo sua função social. E em pouco tempo, um sistema em rede nacional vai interligar todas as unidades que operam no Brasil, permitindo acessar dados de forma rápida e precisa. Tudo isso será benéfico para o mercado financeiro que precisa de mais garantias em suas operações. Por exemplo, temos expectativas da entrada de 52 novos profissionais no sistema, que vai dar mais celeridade aos serviços prestados.  

JC – Em termos de serviços, o que a pessoa precisa ainda comparecer ao cartório?

MLF – Com a pandemia, a pessoa precisa declarar a paternidade de um filho, o óbito também, mas ela pode enviar toda a documentação por e-mail e só comparecer ao cartório para assinar os documentos. O testamento ainda é controverso, a doutrina diverge. Precisa ter fé jurídica para ter validade. Mas o ‘E-notariado’ já prevê o reconhecimento de assinaturas eletrônicas. Por essa plataforma, pai ou mãe podem pedir autorização para viajar acompanhados dos filhos. Mas haverá uma exceção se a  viagem acontecer, por exemplo, de madrugada. E será preciso esperar mais um pouco para operar o sistema. Dá mais garantia para os usuários. 

Há também uma iniciativa por parte do governo federal sobre o reconhecimento de firma digital. A Junta Comercial deixou de exigir o reconhecimento de firmas em contratos de vidas sociais, o que deu mais facilidade. Em geral, o usuário é quem procura fazer o reconhecimento, não mais por uma exigência. É da cultura brasileira.

JC – A Caixa Econômica anunciou a inclusão dos custos cartoriais nos financiamentos de imóveis com a estrutura do FGTS. Como o sr. avalia essa medida?

MLF – Com essa medida, a Caixa financia não só o imóvel, mas também os custos de legalização. No dia seguinte ao anúncio dessas medidas, o CNJ, que é o órgão que regular os cartórios, suspendeu a decisão. A Justiça entendeu que a Caixa não poderia levar adiante essa iniciativa porque as centrais eletrônicas precisam de uma contrapartida financeira para continuar operando. Então, é uma ação que merece muita reflexão. Esse financiamento continua temporariamente suspenso.

JC – Há muita expectativa em torno da regulamentação de uma lei estadual propondo a redução de pelo menos 30% nos preços dos registros de imóveis.  Como está essa mobilização?

MLF – Tivemos muitas discussões com o TJAM nesse sentido. O tribunal aprovou uma tabela de preços prevendo uma redução dos valores de alguns emolumentos. A Corte remeteu ao tribunal competente para aprovar. O projeto não tramitou devido à pandemia e a medida acabou relegada a segundo plano. O TCE pediu para o Legislativo analisar. Do que é arrecadado com os serviços, 23% não ficam com os cartórios. Claro, que com uma redução dos preços dos registros de imóveis ficaria mais fácil para o usuário regularizar sua propriedade, já que o dinheiro sumiu praticamente do mercado e obrigaria a uma redução dos custos.

Marcelo Peres

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