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Carta de Platão a Bolsonaro

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Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo por sua eleição presidencial. De modo sagaz, tu enfrentastes teus adversários na mais improvável eleição de teu país. Nunca foste um gigante, mas tornou-te. Espero, do fundo de meu coração, que tenhas a saberia de um Péricles, o mais justo e perfeito dos governantes de Atenas; e a força e a beleza de um Leônidas, destemido estadista-guerreiro da gloriosa Esparta.

Nobre presidente, teus dias não serão fáceis. A nação que governas é a mais intrigante engrenagem política que já testemunhei nestes milênios. Longe de ser uma Atlântida, de onde recebi magicamente parte do meu conhecimento e que amei como a minha própria Atenas, teu país é de infinita grandeza. É terra de riquezas naturais, fauna, flora e imensidão. Tamanha é elevação de tua terra que embebi-me de amor – amor platônico, é claro – pelos gigantes que te antecederam, caro presidente. Deliciei-me recentemente com o Grande Sertão: Veredas aqui onde estou, em minha morada celeste.

Presidente e amigo, te envio esta carta com um propósito: alertá-lo para o que formulei e pensei. Não sei se me conheces, por isso permita-me uma breve apresentação: sou Platão, discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles; descendente de Sólon e filho de Atenas. Sobrevivi à Guerra do Peloponeso e à toda sorte de tiranias que assolaram a minha terra, subjugando a minha liberdade e forçando-me a tortuosos exílios e viagens.

Também sou testemunha da injustiça, aliás, de inúmeras injustiças, especialmente daquela que condenou Sócrates, meu eterno mestre. Até Atenas, a mais justa das cidades, condenou o seu filho mais ilustre. Digo uma vez mais: Atenas não condenou a Sócrates, mas a si mesma; seu erro levou a sua própria destruição. Sócrates adormeceu orgulhoso por tudo que vez, até o limite de sua vida; porém Atenas sucumbiu em caos, vergonha e humilhação. Vive para ver e sentir tudo isso.

O que vejo no teu Brasil faz-me rememorar Atenas na sua decadência. De tempos em tempos, nações atravessam processos conflituosos e o filósofo precisa ser sábio para não cair nos cantos maliciosos das sereias que vivem nas profundezas: Odisseu nos ensinou a vencer com persistência e sabedoria as intempéries do mundo.  

Dos meus estudos sobre o cosmos e a natureza da alma individual, o microcosmo, deduzi um exemplar esquema de poder que desejo compartilhar contigo. Há milênios, entendi e ensinei aos meus discípulos como funciona o poder. Homens e polis possuem três almas ou princípios de atividade: a) Alma concupiscente ou desejante (situada nas entranhas) é responsável pela satisfação dos apetites do corpo; b) Almas irascível ou colérica (situada no coração) defende o corpo contra as agressões; c) Alma racional ou intelectual (situada na cabeça) se dedica ao conhecimento.

Uma sociedade justa, presidente, é quando a alma racional domina as outras duas. O homem justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a cólera.  A justiça ética é a hierarquia das almas, a racional, no topo superior, domina as inferiores.

Se queres justiça seja um devoto da razão e faça da razão um instrumento de combate ao obscurantismo. Por isso, faça as reformas necessárias e devolva a felicidade para o seu povo. Tudo passará e teu nome pode ocupar o panteão dos homens de Estado: tudo depende de ti. Despeço-me com as palavras de um jovem florentino que conheci recentemente: “Não obstante, o príncipe deve fazer-se temer de modo que, mesmo que não ganhe o amor dos súditos, pelo menos evite seu ódio”.

Meus cordiais cumprimentos, Platão.

*Breno Rodrigo é cientista político

 

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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