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Caio Prado Jr. e a dialética da história, I

Caio Prado Júnior foi o introdutor da “interpretação marxista da história da sociedade brasileira”, na medida em que a interpretação positivista e naturalista – instituída pelos militares e por significativa parcela da academia – era o paradigma dominante na virada do século XIX para o século XX.
Deve-se notar que o pensamento marxista, num primeiro momento, não contou com o apoio de muitos intelectuais, uma vez que o marxismo representava um ameaça às bases tradicionais do Estado e da sociedade brasileira como um todo.

É relevante destacar que Caio Prado Jr., além de introduzir um método de interpretação crítico-revolucionário, propõe-se também a analisá-los na perspectiva da formação singular do Brasil, tendo em vista a totalidade do modo capitalista de produção.

O Brasil não passou pelo modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. Pelo contrário, o processo de colonização, ocupação física e econômica livrou o país de um passado feudal seguido, por exemplo, os países europeus. Ou seja, o Brasil foi integrado ao capitalismo global, bem como outros países da América Latina, África e Ásia, na condição de um grande fornecedor de matérias-primas e mão-de-obra escrava.

“Numa economia como a brasileira – particularmente em sua primeira fase – é preciso distinguir dois setores bem diferentes da produção. O primeiro é dos grandes produtos de exportação [capitalismo comercial tipo exportador], como o açúcar e o tabaco, que vimos no capítulo anterior; o outro é das atividades assessórias [escravidão, colonização e ocupação dos territórios] cujo fim é manter em funcionamento aquela economia de exportação”.

Caio Prado Jr. interpreta a formação social brasileira a partir de três processos históricos integrados. Primeiramente, o autor busca um sentido da colonização para analisar o processo de colonização e seus desdobramentos. Em outras palavras, o processo de acumulação originária ou primitiva em que a realidade brasileira tem estado inserida.
Para Caio Prado Jr., o modo de produção capitalista, tendo como princípio as suas leituras de Marx e Engels, se caracteriza pelos seguintes aspectos: determinações externas, bem como forças internas, interligadas por um subsistema econômico, cujos reflexos são as transformações profundas na estrutura sócia e política.

Assim, “O sentido da colonização desvenda as peculiaridades da Colônia, Império e República. Mostra como o capitalismo surge e desenvolve-se, sob a forma de um modo de produção mundial. A reprodução ampliada do capital é comandada pelos processos de concentração [horizontal] e centralização [vertical] do capital, em escala mundial. Os monopólios, trustes, cartéis e conglomerados, assim como as multinacionais e transnacionais, constituem espaços internacionais nos quais se realiza a acumulação de capital. E cada país, dependente, subordinado ou associado, se revela, mais uma vez, um subsistema altamente determinado pelos movimentos internacionais do grande capital”.

Em segundo lugar, a estrutura escravocrata na qual estava fundamentada a sociedade colonial, uma vez que condiciona a vida cultural, social, econômica e política. Este aspecto é determinante para uma interpretação crítica da sociedade brasileira: a permanência de um regime escravista compactuado a um modo de produção capitalista-exportador, agrário e patrimonial não condicionava a formação de uma sociedade de consumo e muito menos um processo de acumulação primitiva e endógena.

Em terceiro lugar, o desenvolvimento desigual e combinado, a partir de suas leituras de Lenin e Trotski, implica na relação contraditória entre o processo formação da sociedade brasileira está inserida, a fim de assinalar que “a sucessão de ‘ciclos’ econômicos, em combinação com os surtos de povoamento, expansões, das frentes pioneiras, organização do extrativismo, pecuária e agricultura, urbanização e industrialização, tudo isso resultará numa sucessão e combinação de formas as mais diversas e contraditórias de organização da vida e trabalho”.

Assim, o desenvolvimento desigual e combinado, além de contraditório, é marcado por substâncias transformações na estrutura social, cultural, econômica e política da sociedade de classes brasileira, cuja característica está na articulação entre o passado e o presente, ou seja, na preservação dos sentidos, das estruturas e traços de um passado ainda presente.

O estudo da obra de Caio Prado Jr. ainda faz-se necessário para o entendimento da sociedade brasileira do tempo presente.

Na próxima semana, examinarei o papel da revolução na sua obra historiográfica e de como esta ideia ainda alimenta parte do imaginário da esquerda brasileira.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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