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Brasil tem que estruturar economia de guerra’

Divulgação

O economista José Roberto Afonso, 58, professor do IDP, afirma que o coronavírus vai transformar a economia em digital de forma antecipada e investir nessa mudança é uma forma de manter o mercado vivo em tempos de isolamento sanitário.

Ele defende que o Brasil estruture, durante a crise, o que ele chama de economia de guerra, na qual empresas mudam suas atividades para ajudar o país.

Fabricantes de automóveis poderiam fazer ambulâncias e fabricantes de roupas, equipamentos para profissionais de saúde.

Especialista em contas públicas, Afonso sugere ainda que governo, estados e prefeituras organizem o desconto de impostos sob pena de o mercado resolver pelo caminho da inadimplência.

Para o economista, que defende a criação de um comitê para coordenar a crise, como o do apagão, em 2001, o coronavírus tem uma peculiaridade: trata-se de uma recessão de serviços e, por isso, as prefeituras vão sofrer mais.

FP – Como vê essa dicotomia que Jair Bolsonaro vem colocando, entre a economia e as medidas protetivas de saúde?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – Essa discussão está no mundo inteiro, mas não tão politizada. Pessoalmente, não quero ficar falando de política, mas tenho uma posição simples e radical sobre isso. Nenhum economista e nenhuma autoridade pública tem o direito de escolher quem vai morrer.

A esses profissionais, cabe escolher pela vida. O que a gente tem que fazer é lutar para conciliar a guerra da saúde, a guerra social e a guerra econômica. A gente tem de aproveitar essa crise para transformar em uma oportunidade.

O coronavírus veio acelerar uma tendência que já vinha de antes, de transformar a sociedade em digital. Muito do nosso dia a dia vai ser dentro do celular. O que ocorreria em dois ou três anos, vai ser agora. Coisas impensáveis vão virar realidade mais rápido. Temos que nos organizar e parte disso tem de vir do governo. Eles precisam dar crédito para essa migração, investir em pesquisas.

FP – De que tipo?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – A maneira mais rápida de você ter UTI, por exemplo, é fazendo uma ambulância UTI. Na minha opinião, a indústria automobilística tinha que estar já há muito tempo trabalhando nisso e produzindo. Ao mesmo tempo que você está ajudando na saúde, você está ajudando a economia, porque tem trabalhadores ali.

Isso chama economia de guerra e a gente já viu isso algumas vezes, nas guerras. Na Europa tem empresa de roupas que está produzindo equipamento de proteção para médicos. Você não para a produção e consegue olhar para a saúde. Tem vários outros casos que podem ser assim.

FP – E no caso de informais?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – A minha secretária do lar vendia cosméticos, todo mundo hoje está na internet, pobres e ricos, por que você não pega essa vendedora e coloca ela para vender online? A gente só precisa que as empresas de logística estejam funcionando. Tem enormes oportunidades, mas é o governo que tem que organizar. E não só a grande produção.

A proteção social tem de estar ligada ao empreendedorismo social. Eu acho que o Bolsa Família, por exemplo, tem que ficar com o pobre. Tem muita gente que está perdendo o emprego, ou perdendo o trabalho, e tem condições de estudar e de trabalhar. O que o governo tem que fazer é contratar essa gente e dar serviço.

A cozinheira que hoje está em casa, eu contrato ela para ela fazer merenda escolar. Por que ela não pode fazer a marmita em casa e eu distribuo nas escolas? Isso que parece pequeno, não é pequeno. São milhões de pessoas.

FP – Mas o governo tem capacidade de agir com a capilaridade que esse tipo de política necessita?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – Não é nada difícil de fazer. Os militares, por exemplo, sabem fazer isso direitinho e rapidinho. Eu falo de economia de guerra porque precisa de disciplina. Esse exemplo que eu dei, da cozinheira, passa sobretudo pelas prefeituras do interior.

Eu iria além. Você poderia ter o Bolsa Social e o Bolsa Família. Pergunta para o trabalhador o que ele quer: um dinheiro a fundo perdido ou trabalhar? Nem todo mundo pode entregar quentinha, tudo bem. Tem um que tem um salão, mas ninguém tá cortando o cabelo. Coloca ele pra fazer um curso de informática.

Chama os empresários de educação particular e compra deles os cursos que eles têm. O cabeleireiro pode aproveitar isso. O estado vai ter que fazer isso, queira ou não queira. Se não sabe, vai ter que aprender. Tem que ter disposição e criatividade. A criatividade que faz piada do coronavírus nas redes sociais tinha que se converter para a gente conseguir conciliar o isolamento social e a economia.

FP – Os empresários têm pedido coordenação, está faltando?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – Nós temos uma das experiências mais bem sucedidas do mundo para enfrentar uma emergência, ainda que não sanitária, que foi a do apagão. Havia uma comitê que tinha poder para decidir rápido. Pega tudo que estava escrito na comissão do apagão, apaga a palavra apagão e usa.

FP – A crise é igual a do apagão?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – Tem uma peculiaridade nessa crise. Não há uma função pública no Brasil mais descentralizada do que a saúde. Como é o financiamento da saúde pública? 40% do governo, 40% dos estados e 30% dos municípios. Quando você vai ver quem executa, 15% é União, 35% os estados e 55% os municípios. Mas o que você precisa agora é de hospital. A União só gasta 5% com hospitais, 50% são os estados e 45% os municípios.

Então, não é hora de ter briga. Mesmo que o governo federal queira, é impossível ele dar a assistência médica. A função dele é coordenar a execução. Além disso, tem a rede privada. O governo brasileiro é um dos que menos gasta do mundo [em relação ao gasto das famílias]. Você tem que aproveitar esse momento pra fazer a coordenação, não só do ponto de vista administrativo, mas com a federação. Tanto pra saúde, quanto pro social. Eu tinha comentado com prefeitos que a federação brasileira nasceu de cima para baixo. Agora tem uma oportunidade única de se fazer de baixo para cima.

Enquanto o governo federal está meio perdido, estados e municípios estão agindo, até porque eles têm que agir, não têm nem muita opção. O doente está batendo lá.

FP – As empresas estão pedindo desconto de impostos. Como pode fazer isso sem que os governos fiquem sem dinheiro para pagar médicos?

JOSÉ ROBERTO AFONSO – Primeiro, para pagar médico nessa hora, se você não tiver [desconto de] imposto, é só você rodar a maquininha. Depois você resolve. Acho que a primeira providência que o mundo inteiro fez e o governo brasileiro está demorando a fazer é adiar o pagamento dos impostos de forma organizada. Basicamente, mundo afora, o que está sendo feito é jogar para frente, não é renúncia. Faz isso com microempresa, basicamente, que é quem gera emprego.

Fonte: Folhapress

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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