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Brasil, a nave dos insensatos

Ficamos com R$5,4 bilhões contingenciados no FNDCT, Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, nos últimos dois anos e com cientistas talentosos no Brasil, ou do Brasil, atuando no exterior, na produção de vacinas. E essa verba, quase toda, é recolhida pelas empresas que se valem da Lei de Informática, maior parte instalada no Polo Industrial de Manaus Manaus. Esse descaso com Ciência e Tecnologia na Amazônia é recorrente, desde que Getúlio Vargas criou o INPA há 70 anos.”

Por Alfredo Lopes (*)

Responder à pergunta sobre o impacto dos cortes em C&T e Educação para o Brasil e, em particular, para a Amazônia, no debate promovido pela Academia Brasileira de Ciências, no último dia 15, Dia do Professor, remete à visita à obra Stultifera Navis, a Nave dos Insensatos, um óleo sobre madeira de Hieronymus Bosch, de 1503, atualmente no Museu do Louvre, em Paris, para onde foi levada em plena I Guerra Mundial, no ano de 1918. E qual a sinapse que este artista atormentado provoca neste corte de morte da Ciência, Tecnologia e Inovação e seu respectivo ensino e aplicação, que removeu 93% dos recursos orçamentários do ministro-astronauta? Muitas, a começar pelos estragos que esta atitude tem causado pelo país afora e há muito tempo na Amazônia. 

Ciência e Educação são os nossos únicos e derradeiros instrumentos de resistência e de mudanças neste país desenganado e na perspectiva de fazer da imensidão de nossas potencialidades paradigmas da prosperidade sustentável. Sem isso, seguiremos para o caos,  já institucionalizado na violência  que estamos vivendo. Prioridades da gestão do país e da Amazônia absolutamente desconcertantes. Ficamos com R$5,4 bilhões contingenciados no FNDCT, Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, nos últimos dois anos e com cientistas talentosos no Brasil, ou do Brasil, atuando no exterior, na produção de vacinas. E essa verba, quase toda, é recolhida pelas empresas que se valem da Lei de Informática, maior parte instalada no Polo Industrial de Manaus Manaus. Esse descaso com Ciência e Tecnologia na Amazônia é recorrente, desde que Getúlio Vargas criou o INPA há 70 anos.”

Desde sempre tenho buscado proximidade com o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), convencido de sua importância para o futuro de nossa região. O Inpa vai fazer 70 anos assim como o Museu Paraense Emílio Goeldi fez 155 anos.  São duas instituições paradigmáticas para a região porque elas traduzem o acervo de conhecimento conquistado a duras penas. O orçamento do INPA, que atua nos estados da Amazônia Ocidental é ridículo. São R$50 milhões/ano. Uma entidade que tem um acervo monumental de informações sobre o bioma amazônico. 

São conhecimentos que dariam ao Brasil ou qualquer nação civilizada e séria no planeta, a oportunidade de virar a história da humanidade atendendo as demandas vitais das pessoas, do clima, da saúde universal, dos fármacos, dos dermocosméticos e das soluções que a humanidade precisa. Nós temos milhares de “ovos de colombo” no INPA e no Museu Emílio Goeldi. Sabe o que o Brasil pensa disso? A resposta é o corte de morte de 93% dos recursos.

O Inpa hoje está desfalcado de pessoas. As pessoas de peso no Inpa, cientistas de renome universal, estão se aposentando porque o tempo passa e o governo não se empenha em repor esses recursos humanos vitais. Há uma perda de cem a cento e vinte profissionais, pesquisadores que tiveram que se afastar compulsoriamente nos últimos dez anos. O último concurso do Inpa foi em 2012 e somente doze pessoas foram contratadas, isso é muito pouco. O Inpa tem um orçamento que é uma piada.

O Professor Adalberto Val, mais de 40 anos de laboratório no Instituto, é uma das principais autoridades mundiais em ictiofauna tropical e atualmente  trabalha hoje com a cadeia alimentar do tambaqui da Amazônia. Coordena uma equipe heróica de pesquisadores excepcionais – diversos artigos na revista Nature demonstram isso – que serão alcançados pela tesoura insana. Muitos tem convites para deixar o país porque a bolsa, que já é curta, agora não vai existir. Isso se dá desde o PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) até as descobertas que precisam de investigação extremamente relevantes que precisam de muitos ensaios para confirmar a sua viabilidade.

Temos que reconhecer que nossos cientistas produzem muito conhecimento mas são tímidos em comunicar sua relevância e as oportunidades que propiciam. Por isso o Inpa precisa dizer mais o que faz para a sociedade. Assim como o Museu Emílio Goeldi e as universidades de toda a Amazônia. Foi para atender esse vazio que um grupo de cientistas, empresários e pensadores da Amazônia criaram o portal BrasilAmazoniaAgora, visando divulgar potencialidades e fragilidades da Ciência, Tecnologia e da Economia regional, representada principalmente pelo Polo Industrial de Manaus. A proposta é de mobilização. Nós não podemos, diante da insensatez deste corte de recursos, permitir que essa imoralidade continue. Um Brasil dividido, politizado pela politicagem, sem bússola, sem Norte, uma verdadeira embarcação das insanidades rumo ao futuro das interrogações e de mais divisões. 

É bem verdade que o dano é mais amplo. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo,iniciou, e já está em fase de contratações, um Instituto de Vacinas. Numa realidade em que dependemos do mercado externo para vacinação, tendo nós o Instituto Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Butantan, porém, todos desfalcados de recursos, a UFMG teve um corte de 85% dos recursos já aprovados e constantes do orçamento para conclusão do projeto.

Portanto, temos duas ações imediatas. Mobilização e Comunicação. Precisamos cuidar mais da comunicação, primeiramente entre nós da Amazônia e incrementar nossa mobilização. Podemos dizer que essas fragilidades, potencialidades precisam ser transformadas em denúncias precisam de narrativas mais convincentes para que o governo se mexa e o povo saiba escolher seus representantes. Temos que escolher quem topa enfrentar os desafios da Amazônia e a eles se entregar. 

Mobilização e Comunicação são ferramentas para exigir recursos para C&T, só assim teremos chance de criar as soluções, as saídas, a economia sustentável e equilibrada, aquilo que o Brasil precisa para sair do buraco e rever suas prioridades. Não é admissível que haja um corte de mais de 600 milhões de reais para Ciência e Tecnologia e que os parlamentares governistas recebam as benesses de um orçamento paralelo com mais de 5 bilhões de reais para que os políticos de apoio ao Governo possam ter os seus negócios assegurados. Hieronymus Bosch, na inspiração agoniada pelas trevas medievais, jamais poderia supor que haveria um lugar tão eloquente na imitação e reprodução de sua Nave dos Tresloucados, a Stultifera Navis, que traduz o país. 

(*) Alfredo é filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazoniaAgora. 

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