10 de dezembro de 2024

Bíblia na mão, fé em Deus e jiu jitsu no tatame

De rebelde campeão imbatível de jiu jitsu a pastor de jovens através dessa luta oriental
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Quando vemos a rebeldia dos jovens, revoltados com o mundo, procurando brigas e usando drogas, achamos que eles não têm jeito. Esquecemos que também fomos adolescentes e que, em muitos casos, fizemos isso também. É certo que uma parte sucumbe à essa fase da vida, mas felizmente a maioria consegue ir adiante e vencer.

Quando o menino Jorge Paulo, então com dez anos, começou a aprender jiu jitsu numa academia no Olímpico Clube, em 1977, não imaginou o que o futuro repleto de aventuras fascinantes e perigosas lhe reservara.

“Naquele mesmo ano participei do 1º Campeonato de Jiu Jitsu do Amazonas, realizado no Colégio Militar. Meu instrutor era o Ale Almeida, que depois ficaria bem conhecido como instrutor de natação, mas foi um dos pioneiros da introdução do jiu jitsu no Amazonas. Ganhei o campeonato e comecei a trilhar o meu caminho como um dos lutadores de jiu jitsu mais conhecidos na cidade e firmar meu nome como Paulinho Peixe, pois eu também praticava natação”, lembrou.

Filho de família abastada de Manaus, os amigos de Paulinho também pertenciam à mesma classe social de endinheirados. Suas primeiras reuniões com a turma aconteceram na pracinha do Vieiralves, entre as ruas Pará e João Valério, no início da década de 1980.

“Quando alguns jovens se reúnem já se sentem os tais. Um encoraja outro. Imagina quando são dezenas. Nós éramos uns 30, 40, 50, todos filhos de empresários, moradores da Vila Municipal, naquela época ainda repleta de mansões”, contou.

“No começo era muita diversão, muitas brincadeiras, muitas festas, depois vieram as bebidas, as drogas, as brigas com rivais. Nossos principais rivais eram os filhos de militares, da vila militar Bafururú, na Constantino Nery, considerados muito certinhos por nós. Nós éramos a turma da Vila. Nem demorou para ganharmos a denominação de Rebeldes”, disse.

A chegada ao fundo do poço

“Nenhum de nós precisava se preocupar com o dia seguinte. Nem ter responsabilidades. Qualquer problema, nossos pais resolviam. Ficamos conhecidos por chegarmos às festas chiques e, ao encontrar desafetos, ou mesmo por qualquer motivo, começarmos uma briga. Um dos nossos lugares preferidos era o Bosque Clube, que até hoje frequento, e a boate do Tropical”, falou.

“Com muito dinheiro no bolso e bom de briga, o que não me faltavam eram mulheres, nem pra mim, nem para os meus amigos, que compartilhavam o mesmo modo de vida meu. Foram mais de dez anos nessa vida de bad boy. Além das brigas nos clubes, e nas ruas, participei de vários torneios e campeonatos de jiu jitsu, em Manaus e em outras cidades, ganhando todos. Paulinho Peixe se tornou um nome respeitado e, vou ser sincero, eu não tinha medo de nada e nem de ninguém”, afirmou.

Mas a nossa vida segue um rumo natural de ciclos e fases. Nada é para sempre. À medida que os anos passam, nossa mente vai mudando. Coisas que gostávamos, deixamos de gostar e outras que, nem imaginávamos, passam a fazer parte do nosso dia a dia, e começamos a gostar. O fim da adolescência é o fim das ilusões.

“Um dia, todo aquele meu estilo de vida começou a me encher. As coisas fáceis não me interessavam mais, não queria mais saber de brigas, orgias, drogas. Eu estava no fundo do poço. Foi então que um pastor da Igreja Presbiteriana me convidou a conhecer a sua igreja. No começo relutei. Nunca quis saber de religião. Mas acabei indo. E conheci o trabalho do pastor Paulo Barros junto a presidiários. Aquilo me tocou. Paulo era um ex-brigão de rua, como eu. Eu estava com 28 anos e não via sentido nenhum na vida. Certa vez, num culto do Paulo, eu comecei a chorar, e não conseguia parar. Naquele momento senti que Deus me tocara. Eu não era mais a mesma pessoa”, comentou.

22 anos depois, ainda campeão

Para completar, Paulinho conhecera uma jovem na igreja, Keydma, “a grande responsável por eu enfrentar toda aquela desilusão com a vida e me fazer permanecer na Igreja. Não é à toa que ela é minha esposa até hoje, mãe de minhas três filhas, Kezia, Karen e Kássia”, riu.

“Em 1997 eu estava treinando com um amigo e, pela primeira vez aconteceu de um adversário me estrangular. Eu ‘apaguei’ e nisso senti meu espírito saindo do meu corpo e uma voz que, acredito, tenha sido de Deus, dizer: pára, e eu voltei a mim”, relembrou.

“Parei completamente de lutar. Queimei tudo que remetia às minhas lutas: medalhas, troféus, fotos. Em 2011 me tornei pastor, mas desde 2001, já na Assembleia de Deus, onde estou desde 1998, levado pelo pastor Jonatas Câmara, a quem considero um pai espiritual, realizo trabalhos principalmente com jovens, bem diferentes daquele que fui um dia. Pois não é que foram exatamente esses jovens que, sabendo de meu passado de lutador de jiu jitsu, me pediram para eu dar-lhes aulas da luta. Comecei as aulas em 2013, mas contando-lhes da minha trajetória do Céu ao Inferno. Eles só seguirão pelo caminho errado se quiserem, pois eu sou seu maior exemplo”, ensinou.

Ano passado Paulinho Peixe, mostrando que após 21 longe dos torneios e campeonatos continuava em forma, conquistou o Campeonato Brasileiro de Luta Livre Submission, realizado em Manaus. Empolgado, agora ele treina para participar, no próximo dia 31, do 3º Jungle Classic Jiu Jitsu, no Centro de Convenções do Manaus Plaza, reunindo 32 dos maiores lutadores de jiu jitsu do Amazonas.

“Onde abundou o pecado superabundou a graça de Deus. Assim foi e é a minha vida. Agora uso a luta para dar bom exemplo aos jovens”, finalizou.                   

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.

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