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Aumento dos juros seria um erro

“É provável que o Banco Central do Brasil tenha de iniciar um ciclo de normalização da política monetária ao longo deste ano. Mas é fora de propósito provocar a fúria da onça com vara curta, defendendo alta exorbitante da Selic para este ano, em meio à tragédia de perdas evitáveis de vidas humanas, da perda de emprego e da economia cambaleante.”

Por Márcio Holland (*)

As projeções de mercado indicam que o Banco Central, já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), deve iniciar um ciclo de aperto monetário. Ganha peso, entre os economistas associados ao sistema financeiro, a aposta por aumento de 0,5 ponto porcentual, levando a Selic meta para 2,5% ao ano. As razões mais destacadas pelo mercado para essa alta é o aumento do risco fiscal, especialmente por causa das indefinições sobre nova rodada de auxílio emergencial e sua compensação fiscal. A aprovação da PEC Emergencial seria a aposta para mitigar tal risco, mas a medida vem sendo desidratada no Congresso Nacional. Se o Copom seguir essa linha seria o seu maior erro histórico.

Vamos por partes. Primeiro, tem-se uma pressão inflacionária a caminho. Projeções de mercado, conforme coletada pelo BC, já projetam IPCA acima de 4%, para esse ano. A meta central de inflação para o ano é de 3,75%, com banda de tolerância de 1,5 ponto porcentual. Ou seja, não é, de fato, desprezível, o risco de se bater no teto da meta, se pressões inflacionárias adicionais se seguirem.

A forte alta do IGP-DI, que atingiu a casa dos 30%, no acumulado de doze meses, é muito preocupante. Dado que o IPA-DI é 60% deste índice, corre-se contra o tempo o repasse do segmento de atacado para o varejo. Seria mais inflação em IPCA à frente.

De outro lado, por causa da falta de administração federal da pandemia da covid-19, da ausência de plano adequado de vacinação da população, de incertezas provocadas pelo próprio governo federal sobre nova rodada de pagamento de auxílio emergencial, e de desarticulação da agenda de política econômica, a economia brasileira volta a se enfraquecer. As projeções para o crescimento econômico deste ano têm sido revistas para baixo, semana após semana. As taxas de desemprego seguem em torno de 14%, sem qualquer cenário de redução para até o final deste ano.

Assim, a taxa de crescimento ainda está abaixo de seu nível potencial e a taxa de desemprego bem acima de seu nível natural. Não se pode cogitar sobre inflação de demanda. Não vem de pressões de demanda a aceleração inflacionária.

Há, sim, forte desarticulação nas cadeias produtivas, com diversos setores econômicos sendo obrigados a darem férias coletivas, suspender jornadas de trabalho, e até mesmo demitir trabalhadores, especialmente por falta de insumos, peças e componentes industriais. Essa desarticulação está associada com a persistência da covid, que vem requerendo necessárias medidas não-farmacêuticas, por parte de governos subnacionais, até por completa falta de articulação do governo federal, no combate à pandemia.

Poder-se-ia defender um ciclo de aperto monetário para tentar conter a desvalorização cambial. Lembrando que o real tem sido a moeda que mais se desvaloriza perante as moedas de economias emergentes. Na verdade, desde o início do governo Bolsonaro, mesmo sob lua de mel do mercado financeiro com as inúmeras promessas liberais da equipe econômica, o real vem sofrendo forte desvalorização. No governo Bolsonaro, a moeda já se desvalorizou quase 50%.

O que tem causado a desvalorização tão forte do real? Há sempre uma combinação de fatores que explicam o comportamento da taxa de câmbio de curto prazo. Há os fortes externos e os domésticos. Mas, definitivamente, os fatores domésticos são preponderantes na explicação de turbulências no mercado cambial brasileiro. Um aumento na taxa Selic teria muito pouco efeito sobre esse comportamento. Seria como enxugar o gelo com cashmere.

Entre os fatores externos que vem afetando a taxa de câmbio, tem-se a forte expansão monetária norteamericana e, mais recentemente, alta nas taxas de títulos do tesouro dos Estados Unidos por causa do chamado Plano Biden, que pretende injetar US$ 1,9 trilhão na economia.

Mas, definitivamente, os erros na condução da política econômica interna, a falta de um claro programa fiscal doméstico para a transição da situação de pandemia para pós-pandemia, e os inequívocos erros do governo federal com o programa nacional de imunização, desancoram as expectativas e deixam o País à deriva.

Em síntese, aumento na taxa básica de juros já em março seria um erro histórico, pois não traria efeito relevante sobre o comportamento dos preços e do câmbio. Com aumento de probabilidade de recessão no primeiro semestre, nova rodada de demissões, e com auxílio emergencial bem mais fraco do que do ano passado, colheremos frutos amargos do aperto monetário sobre a atividade econômica, sobre a demanda e sobre o mercado de trabalho.

Vale advertir sobre os efeitos de um ciclo de alta da taxa Selic sobre os custos financeiros da dívida pública. Cálculos realizados pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, apontaram para uma economia de R$ 51,9 bilhões por causa do ciclo de afrouxamento monetário de setembro de 2016 a setembro de 2017, quando a Selic caiu de 14,25% para 8,25% ao ano. Ou seja, para uma redução de 6 pontos porcentuais na taxa básica de juros, o País economizou aqueles R$ 51,9 bilhões.

Imagine agora, com a dívida pública na casa de 89,7% do PIB, quanto custaria aos cofres públicos aumento na Selic, ao longo do ano corrente, rumo a 6% ao ano, como prevê alguns economistas de mercado? De acordo com as Estatísticas Fiscais, do Banco Central do Brasil, a elasticidade-juros de dívida bruta do governo central (DBGC) indica que, para cada 1 ponto porcentual de alteração na Selic, a DBGC altera R$ 31,2 bilhões. Ou seja, alta na taxa Selic custa muito caro para os cofres públicos.

Adicionalmente, há um ano, o Banco Central do Brasil injetou R$ 1,4 trilhão nos cofres dos bancos brasileiros, entre liberação de compulsório, redução do requerimento de capital para operações de crédito e flexibilizações diversas em operações de instrumentos financeiros. O aumento do saldo de crédito total da economia, entre abril de 2020 até janeiro de 2021, foi de R$ 435 bilhões, ou seja, 30% do que o Banco Central do Brasil injetou nos bancos. Metade deste aumento do crédito doméstico acontece por causa do aumento de crédito direcionado, seja por injeção de recursos do BNDES, especialmente para capital de giro (alta de 30%, neste período), seja pelo aumento do crédito imobiliário para famílias, também com alta de 30%, neste período. Ou seja, bem pouco do que os bancos receberam do Bacen foram repassados para irrigar a economia.

É provável que o Banco Central do Brasil tenha de iniciar um ciclo de normalização da política monetária ao longo deste ano. Mas é fora de propósito provocar a fúria da onça com vara curta, defendendo alta exorbitante da Selic para este ano, em meio à tragédia de perdas evitáveis de vidas humanas, da perda de emprego e da economia cambaleante.

(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia, e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas feiras.
Foto/Destaque: Divulgação

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