Pesquisar
Close this search box.

Auge e ocaso do Cine Eden

Quem passa pela frente do ex-Cine Éden, na rua Jonathas Pedrosa, e conhece a história daquele espaço de diversão cinematográfica que por mais de 40 anos fez a alegria dos cinéfilos manauaras, fica triste ao perceber como a história de nossa cidade não é respeitada. Abandonado, pichado e destruído, o prédio antigo só ganha alguma vida nas belas imagens artísticas clicadas recentemente pela fotógrafa Selma Carvalho.

A história do Cine Eden começou, em 1946, quando o motorista português Aníbal Augusto de Castro Batista resolveu montar uma sala de cinema na garagem de sua casa. O feito foi tão significativo para a cidade, que teve uma chamada bastante destacada na primeira página do Jornal do Commercio de 22 de novembro de 1946, um dia antes da inauguração do cine.

‘Grandiosa inauguração do magestoso Cine Eden, sábado, 23 de novembro de 1946, com exibição da monumental revista musical ‘Brasil’, com Tito Guizar e Aurora Miranda. Um verdadeiro deslumbramento de músicas, ritmos, hilariantes momentos de comicidade. Um filme 100% sobre o Brasil com muito samba, canções, batucadas e valsas, da autoria do inspirado compositor brasileiro Ary Barroso’. No dia seguinte a chamada foi repetida com o mesmo destaque tendo como título: ‘Hoje, grandiosa e sensacional inauguração do Cine Eden’. Nesse mesmo dia fizeram publicações de seus filmes no JC, os cines Avenida, Guarani, Politeama, Odeon e Popular. O Eden já anunciava a exibição de domingo, ‘Jardim de Allah’, com a bela Marlene Dietrich. Exibições matinais e vesperais.

Reprises e falência

“Sem experiência na administração de um cinema, Aníbal Augusto logo se perdeu e teve que recorrer a Óscar Antunes Ramos, fotógrafo que entendia do assunto. Os dois formaram a Empresa Cine Eden Ltda”, contou o pesquisador Ed Lincon Barros.

Vale lembrar que Óscar Ramos foi fotógrafo do JC durante dez anos, de 1950 a 1960.

“A empresa adquiriu projetores das marcas Pathé e Super Sólidos, os mais modernos na época, montados pelo técnico paulista Mario Schneider, que oito anos depois faria a montagem dos projetores e telas panorâmicas dos cines Avenida, Guarany e Vitória. Um gerador também foi instalado para suprir a deficiência de energia elétrica que assolava a cidade na década de 1940 e seguinte”, completou o historiador Roberto Mendonça.

Em suas pesquisas, Roberto Mendonça descobriu que a sala de cinema tinha capacidade para mil pessoas, número meio duvidoso, bastando olhar as dimensões do prédio. Na época, a cidade não sabia o que era ar-condicionado, então, a ventilação do cine era feita por enormes ventiladores no teto. Será que os verões daqueles anos eram mais amenos do que os atuais?

Já em 1947 o cine começou a ficar ‘mal das pernas’. Aníbal e Óscar não conseguiram mais adquirir novos filmes e passaram a repetir seriados, comuns naquela época. O jeito foi vender o prédio, o que aconteceu em 1948. Aníbal saiu de cena, mas Óscar foi contratado para gerenciar o cinema pelo novo proprietário, o médico Alberto Carreira, dono da empresa J. Fontenelle & Cia. Ele também era proprietário do Polytheama.

Moderno Veneza

1963. Alberto Carreira resolveu alugar o Cine Eden para a Empresa Sul, de São Paulo, depois comprada por Luiz Severiano Ribeiro, empresário cearense que possuía salas de cinema em várias capitais do país.

O surgimento da televisão nos lares de Manaus, principalmente a partir de 1970, causou um imenso impacto negativo em todas as salas da cidade. Com a comodidade de ver filmes, desenhos animados e depois novelas, em casa, as pessoas foram deixando de ir aos cinemas e um após outro eles foram entrando em decadência. Para completar, a prefeitura cobrava dos proprietários a melhoria das salas deterioradas pelo tempo.

“Como o prédio do Eden não era de Severiano Ribeiro, ele não quis promover as restaurações necessárias e, em 1973, resolveu se retirar de Manaus, não sem antes entrar em conflito judicial com Alberto Carreira que, através do advogado Amazonino Mendes (ele mesmo) processou o empresário do cinema, e ganhou o processo. Revoltado, Severiano mandou fazer um filmeto falando mal de Manaus, que foi exibido em todas as suas outras salas de cinema”, revelou Ed Lincon.

Ainda em 1973 o também empresário de cinema Adriano Bernardino Filho adquiriu o Cine Eden e mudou seu nome para Cine Veneza, inaugurado com grande pompa, em 10 de abril de 1974, com o filme ‘O destino de Poseidon’. Moderna para a época, a sala marcou um novo momento para o cinema na cidade. Por quase dez anos o Veneza foi o point dos cinéfilos, apresentando grandes filmes, que formavam imensas filas de pessoas para assisti-los.

Silvino Santos

Silvino Santos, vizinho do Cine Eden
Foto: Divulgação

Em 5 de março de 1984 o Veneza fechou, mas cinco dias depois reabriu como Cine Novo Veneza, com o filme ‘Águia na cabeça’, e pertencendo ao empresário Joaquim Marinho. Pouco mais de um ano depois, em 31 de março de 1985, o Novo Veneza também fechou exibindo o italiano ‘Dio, come ti amo!’.

Joaquim Marinho chegou a ter dez cinemas da cidade, todos no Centro. Era difícil alguém ir até a Jônatas Pedrosa somente para ver um filme. O empresário Dahilton Cabral ainda arriscou, adquirindo e reformando o prédio, em 1987. Em 23 de junho de 1989, com o filme ‘Princesa Xuxa e os Trapalhões’, Dahilton inaugurou o Cine Theatro Guarany, numa homenagem ao Guarany, que frequentara em sua infância, e fechara em 1984. Infelizmente a homenagem não se perpetuou e, em junho de 1991 o Cine Theatro Guarany também cerrou suas portas, desta vez em definitivo para a exibição de filmes. O prédio foi alugado para a Caixa Econômica Federal e, em 1992, já abrigava o templo evangélico Igreja Viva.

“Em 1997 a Igreja Viva também deixou o prédio, que está lacrado desde então. Em 2009, com a inauguração do Parque Senador Jefferson Péres, a fachada do Cine Eden foi restaurada e ganhou destaque, nas proximidades do parque, e foi só. Nesses doze anos o prédio histórico permaneceu abandonado e agora se acaba, triste e pichado”, lamentou Ed.

Uma curiosidade, o pioneiro do cinema no Amazonas, o português Silvino Santos, morava numa casa do lado do cine. Deve ter frequentado a sala muitas vezes. A casa está lá, também abandonada.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
Compartilhe:​

Qual sua opinião? Deixe seu comentário

Notícias Recentes

Pesquisar