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Arquitetura, cidade e poder

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A identidade e o simbolismo de um povo, nos dizeres de Claude Lévi-Strauss, podem ser vistos nos traçados de suas manifestações artísticas, nos emblemas materiais e imateriais, e em sua arquitetura.

Vale destacar, como importante contribuição para o debate, o clássico O Rio Comanda a Vida, do amazonólogo acriano Leandro Tocantins.

Na concepção do autor, a construção de qualquer forma social, isto é, de agrupamentos humanos organizados em termos modernos ou tradicionais, se dispõe a apresentar símbolos que traduzem a construção dessa própria sociedade; em outras palavras, o simbolismo é a expressão máxima de uma identidade cultural in totum.

“Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de Manaus reflete bem o espírito da sociedade que ali floresceu em fins do século passado e princípios do atual. Não se trata de uma frase, ou de simples generalização sociológica. A arquitetura de Manaus, a arquitetura mais antiga, exprime uma atitude emocional e estética da burguesia enriquecida pelo comércio”.

Arte e sociedade andam juntas e são inseparáveis, à medida que uma é expressão da outra. Estabelecer uma separação desse conjunto de fatores não estabelece uma relação com a prática social, com a real experiência do mundo da vida.

A cidade de Manaus, da Belle Époque da economia da borracha ao surto industrial da Zona Franca (hoje, Polo Industrial), se projeta uma estética de cidade comercial e industrial, orientada única e exclusivamente para atividade econômica.

Leandro Tocantins chama a atenção para um aspecto de extrema importância: a arquitetura enquanto visão das classes sociais e dos grupos políticos dominantes, isto é, a “burguesia”, seja ela local, nacional e internacional. Essa mesma burguesia, na condição de expositora das manifestações arquitetônicas, cria, padroniza, estiliza um modelo a ser reproduzido incessantemente pelos promotores culturais e artísticos da urbe – o arquiteto e o urbanista.

E para que esse empreendimento seja efetivado pela classe dominante, a expressão popular, cabocla, regional e amazonense é reduzida a uma realidade empobrecida, estereotipada e “exótica”. Leandro Tocantins critica exatamente esta falta de originalidade da produção arquitetônica da década de 1940, e que se amplia até os dias de hoje, quando afirma que:

“A arquitetura tradicional de Manaus representa, assim, um esforço de adaptação de processos e estilos europeus. É uma mescla de teorias, conceitos e tecnologias várias, principalmente de Portugal, França e Inglaterra, por intermédio dos quais também chegaram influências italianas […]”.

Mas, a crítica dessa transplantação arquitetônica aponta algumas saídas, em termos de estilos e padrões da arquitetura, que levam em consideração as peculiaridades da região, do Amazonas, ou seja:

“A natureza gorda, cheia de curvas e meneios, o contraste e o brilho das cores do rio, do céu, das florestas, da terra, a paisagem túrgidas dos igarapés, o movimento e a vibração das largas, que parecem querer sempre se aumentar pela fuga em profundidade – toda essa técnica pertence ao barroco – faz Manaus muito mais barroca do que Belém do Pará, que em paisagem natural e em seu conjunto urbanístico é uma cidade de aparência um tanto clássica”.

No aspecto cultual, é importante destacar a presença da produção cabocla e indígena na concepção e produção dos produtos regionais, qua já na década de 1940, se manifestava muito fortemente na região e no Amazonas. A citação anterior traduz muito bem esse sentimento.

Certamente, o Amazonas na década de 1940 refletia bem uma sociedade idílica e de baixa mobilidade social, onde a tradição tinha um papel primordial em termos de controle social e onde a cultura mostrava a diversidade dos grupos humanos que aqui se encontravam. A Manaus de 2019 é certamente uma megalópole que perdida no tempo precisa resgatar a sua originalidade, o seu simbolismo e a sua poesia.

*Breno Rodrigo é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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