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Água Branca, o último dos igarapés

Desde 1981, na primeira semana de junho, é comemorada a Semana do Meio Ambiente com o ápice no dia 5, o Dia do Meio Ambiente. Em Manaus, a população não tem nada a comemorar com a floresta ficando cada vez mais distante e os igarapés, antes locais de banho, agora transformados em esgotos a céu aberto, sem falar dos que foram criminosamente aterrados.

Manaus deveria ser hoje uma das mais belas capitais do país, entrecortada por igarapés protegidos por matas ciliares, que poderiam, inclusive, ser vias de transporte e atrativo turístico, mas a cultura de desprezo por esses caminhos das águas vem de longe. O governador Eduardo Ribeiro (1892/1896) foi o primeiro a, em nome da modernidade, aterrar igarapés. O principal deles foi o igarapé do Espírito Santo cujo percurso, a partir do Negro, seguia por onde hoje está o Relógio Municipal indo até próximo do IEA (Instituto de Educação do Amazonas). O governador queria uma avenida ao estilo das largas rues de Paris e não poupou recursos para, com engenharia inglesa, construir galerias em toda a extensão do igarapé e a avenida por cima. A atual cratera bem na esquina das avenidas Sete de Setembro com Eduardo Ribeiro é o rompimento de parte dessas galerias.

A Cachoeirinha, bairro idealizado por Eduardo Ribeiro, foi um bairro planejado e, com certeza, muitas árvores foram derrubadas para receber os moradores. O nome Cachoeirinha se refere a uma cachoeira que existia no igarapé da Cachoeirinha, pouco depois da ponte Benjamin Constant (ponte de Ferro) onde as pessoas iam se banhar até que um governador, na década de 1930, mandou dinamitar as pedras que formavam a cachoeira para facilitar a circulação de embarcações.

Último ainda limpo

Mas não são só os governantes os responsáveis pelo fim dos igarapés de Manaus. À medida que a cidade foi ‘inchando’ com as invasões, muitas delas às margens de igarapés, como Educandos, São Raimundo, Petrópolis, São Francisco, São Jorge, Coroado, entre outros, a população que no início das invasões tomava banho nesses locais, depois ajudou a poluí-los, seja com esgotos ou simplesmente atirando lixo dentro deles. Um a um os igarapés urbanos foram ‘morrendo’, transformados em esgotos. Quem lembra que sob as pontes Romanas, na Sete de Setembro, passavam verdadeiros rios, da mesma forma sob a ponte Benjamin Constant. Os igarapés foram semi-aterrados e agora são esgotos a céu aberto, que não atraem mais a atenção de ninguém.

O jornalista Jó Farah luta para manter intacto, livre de poluição, o igarapé Água Branca, no Tarumã, o último igarapé urbano ainda com águas limpas, em Manaus. Mas não tem sido fácil. A sanha destruidora do ser humano é mais forte.

“Moro aqui desde 1998. Mudei para cá porque ficava mais próximo do meu trabalho. Na época tudo em volta era mato e tinham pouquíssimos moradores. Hoje tudo está ocupado. Me apaixonei pelo local, principalmente por causa do igarapé. Nesses 24 anos, ambientalmente, tudo piorou na região”, lamentou.

O igarapé Água Branca se mantém livre de poluição porque sua principal nascente é dentro do aeroporto Eduardo Gomes, uma área de mata, mas Jó alerta que vários terrenos ao longo dos cerca de seis quilômetros do igarapé estão sendo desmatados e ocupados por condomínios e empresas.

“A duplicação da av. do Turismo tem atraído empreendimentos para a área e o impacto ambiental já começou. Sauins-de-coleira, antes comuns nessas matas, simplesmente sumiram. O Tarumã é uma APA (Área de Proteção Ambiental), mas ninguém respeita”, alertou.

Denúncia não adiantou

Jó recorda que quando foi morar no Tarumã, algumas partes do Água Branca chegavam a ter dois metros de profundidade. De tanto assoreamento, isso não existe mais.

“O máximo que chega, em época de cheia, é até o peito de um adulto”, disse.

“Ainda conseguimos pescar aqui, matrinxãs, tucunarés, não sei até quando”, falou.

Tentando alertar para o futuro, Jó recebe em seu sítio alunos da rede pública e promove os mais diversos ensinamentos sobre a importância de se manter vivos os igarapés e principalmente as matas que os cercam.

“Essas matas possuem centenas, talvez milhares, de nascentes que abastecem os igarapés. Se elas são derrubadas, o igarapé morre junto. Recebo crianças, que moram nas margens de igarapés e elas dizem: “olha, esse igarapé não fede”. Já recebi universitários que nunca haviam visto um igarapé vivo e todos se admiram ao saber que aqui vivem peixes. Até construí um tanque, onde mantenho as espécies encontradas no Água Branca: matrinxã, tucunaré, cará, aracu, jacundá, para que os visitantes tenham um contato mais real com essa riqueza”, contou.

Como aconteceu nos bairros que ‘incharam’, e ‘incham’, Manaus, desde Eduardo Ribeiro, Jó Farah vê cada vez mais o Tarumã sendo ocupado e, pior, com devastação.

“A mais recente é uma grande empresa de energia, que desmatou uma área imensa, além do permitido, próximo à nascente do igarapé e montou um setor de manutenção de máquinas. Essas máquinas podem derramar combustível de forma irregular no igarapé. Já denunciei aos órgãos competentes, mas não adiantou nada”, informou.

“Mas enquanto puder, vou continuar brigando pelo Água Branca. Pelas redes sociais o mundo está sabendo dessa briga. A imprensa internacional até já veio aqui fazer matéria. Não quero que as pessoas fiquem apenas lembrando dos igarapés de águas límpidas do passado, mas ajam para proteger os que ainda estão vivos”, finalizou.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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