A ministra do Meio Ambiente , Marina Silva , diz que o governo Lula ( PT ) se planejou para enfrentar a crise de seca e incêndios, mas constatou que as estratégias ficaram aquém da realidade que se impôs.
“O que nós estamos descobrindo agora é que [ o planejado] não foi suficiente . E ter essa clara e essa responsabilidade de não querer mascarar a realidade ou minimizar a realidade faz parte de uma postura republicana diante da sociedade”, afirma.
O Brasil vive a pior seca já registrada . Peru, Bolívia e Portugal declararam emergência ou calamidade em razão de queimadas . A estiagem extrema deixou o sul da África com falta de alimentos . A Amazônia queima em incêndios gigantes .
A ministra diz ver um mundo despreparado para enfrentar a crise climática, e admite que isso inclui, de certa forma, o governo brasileiro.
“A humanidade tem que chegar à conclusão de que não está preparada e que não está preparada porque não pegou os reclames da ciência”, disse ao podcast Café da Manhã, da Folha .
A fiscalização da ação governamental é apontada por pessoas de dentro e de fora do governo, virou munição política para a oposição e pressionou a gestão petista —que intensificou anúncios nas últimas duas semanas.
Lula afirmou que vai tirar o papel da autoridade climática , órgão idealizado por Marina e que era promessa de campanha, e criar o Plano de Enfrentamento aos Riscos Climáticos Extremos e o marco regulatório de emergência ambiental —duas propostas feitas pelo ministro.
Também potencializou multas por incêndios florestais (exigência da ala ambiental por penas mais duras contra crimes ambientais) e flexibilizou repasses aos estados para combate a queimadas ( uma cobrança de governadores ).
Tudo às vésperas da semana do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, onde Lula e Marina cumprem agendas.
Diante do tamanho da crise, o ministro enxugou sua viagem aos Estados Unidos para voltar antes ao Brasil , mas argumenta que a situação não desmoraliza a imagem do país diante do mundo, pelo contrário, na sua visão, reforça a urgência da pauta ambiental.
“Obviamente que, quando você está nesse lugar, você pode ser cobrado. Ser cobrado não é problema. Agora, obviamente que os países desenvolvidos, para cobrar, eles precisam também fazer o aporte dos recursos que foram acordados no Acordo de Paris [e que nunca foram feitos]. E o Brasil conseguiu reduzir o desmatamento sem precisar de ajuda externa”, afirma.
“O Brasil é vítima da mudança do clima. O Brasil é um país vulnerável”, diz também.
Para membros do governo e autoridades políticas, ao menos parte dos incêndios que afetam o país são criminosos —e com “indicativos” de conotação política, acrescenta Marina.
Ela lembra que equipes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e da Polícia Federal já foram atacadas antes, durante ou após ações de repressão a crimes ambientais.
Relata que, na visita de Lula às comunidades da Amazônia, na ida, não foram vistos de incêndio. Mais uma vez, porém, vários focos de fumaça foram registrados pela janela do avião —indício de que alguém queimou propositalmente aquela área, sabendo que a comissão presidencial passaria por ali, segundo disponível Marina.
“Houve ali uma tentativa, no meu entendimento, de fazer uma afronta. Estavam acontecendo o presidente, o ministro da Defesa, as autoridades da República”, afirma.
Ela cobra que os crimes de incêndio sejam investigados e responsabilizados, diferentemente do que aconteceu nos últimos .
Integrantes do governo dizem acreditar que a urgência da crise ajuda no avanço das questões ambientais mesmo diante de um Congresso que já impôs uma série de derrotas a Lula, é crítico a Marina e, nos últimos anos, atuou para flexibilizar as leis de proteção ao meio ambiente.
“Espero que, inclusive, medidas que signifiquem um retrocesso no passado possam ser corrigidas, que a gente tenha uma curva de aprendizagem que nos coloque no caminho de ajudar, que todos possam contribuir para resolver esses problemas. Todos, independentemente de esquerda, direita ou direita centro, têm que assumir uma agenda de sustentabilidade Só os negacionistas é que vão insistir que não existe mudança do clima”, afirma o ministro.
O panorama político, porém, ainda não é certo, e membros do governo admitem, por exemplo, que será difícil aprovar no Congresso o projeto de autoridade climática se o órgão estiver sob a guarda-chuva do Meio Ambiente, como quer Marina.
Enquanto os ambientalistas preveem um ano de 2025 com tantos ou mais eventos extremos que 2024, cresce a pressão por investimentos do governo em prevenção e adaptação, uma vez que a estrutura existente já se mostrou insuficiente para a realidade atual.
“É um processo, é dinâmico, né? Acho que ninguém consegue, com alguma responsabilidade, dizer que um país, qualquer que seja, estará 100% preparado para enfrentar essas situações [nos próximos anos]. Talvez estivéssemos, se tivéssemos começado [a nos preparar] em 1992”, diz Marina Silva, citando o ano da conferência Rio-92.