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A trajetória de um jornal centenário

A trajetória de um jornal centenário

São poucas as empresas que chegam aos 100 anos. Mais raras ainda são as que ultrapassam essa marca. Deve-se refletir sobre a importância dessas instituições, que por gerações contribuem para o desenvolvimento socioeconômico das sociedades que lhes deram origem e das quais fazem parte. Uma delas é o Jornal do Commercio de Manaus. Fundado em 02 de janeiro de 1904, é o periódico mais antigo da região Norte e um dos antigos do Brasil.

Surgiu pelas mãos do Major Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905), português radicado no Brasil desde 1862 (BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973). Não havia período melhor que aquele para a sua criação. O Amazonas, através das atividades ligadas direta e indiretamente à extração do látex, despontava como uma das principais economias do país. A capital estava passando por rápidas transformações, ganhando nova infraestrutura e atraindo a cada dia novos investimentos. Percebendo essas mudanças, Rocha dos Santos, que também era comerciante, funcionário público e anteriormente fora proprietário do jornal Commercio do Amazonas, sentiu a necessidade de uma nova folha especializada na atividade comercial. Reunindo o capital necessário para tal empreitada, apresentou à sociedade amazonense, no dia 02 de janeiro de 1904, o Jornal do Commercio, com sede na Avenida Eduardo Ribeiro, que em sua primeira edição foi anunciado da seguinte forma:

“Fazendo-se orgão do principal elemento de ordem e de progresso, que é o commercio, este jornal vem, innegavelmente, satisfaser a uma das mais palpitantes necessidades de nosso meio social e supprir uma lacuna que, já ha muito, se recente a vida manauense – um diario que preferentemente advogue e defenda os interesses comerciaes d’ esta vasta e rica região do Brasil” (Jornal do Commercio, 02/01/1904, p. 01).

Como o nome e o editorial sugeriam, predominavam os assuntos ligados às atividades comerciais. Nele eram publicadas as cotações da borracha nos mercados nacionais e estrangeiros, os anúncios de casas comerciais e os serviços de profissionais liberais, os resumos das atividades políticas municipais, estaduais e nacionais, as movimentações no Porto, as matérias sobre as obras que eram realizadas em Manaus e no interior, as notas sobre a abertura de novas empresas, os informes sobre espetáculos no teatro e nos cinemas, as denúncias sobre crimes e práticas que deveriam ser combatidas para manter a ordem urbana. Em outras palavras, o Jornal do Commercio apresentava-se como um agente da modernidade na capital amazonense.

O aparecimento de um novo jornal no Amazonas foi comentado por veículos de imprensa de outros Estados. O Jornal do Commercio do Rio de Janeiro registrou que o congênere manauara “contém copioso noticiário, serviço telegraphico e excellentes informações sobre vários assumptos de interesse”, desejando “longa vida ao novo collega da imprensa amazonense” (Jornal do Commercio, RJ, 1904, p. 02). O jornal A Cidade, do Ceará, o descreveu como um “brilhante diario que acaba de apparecer em Manáos sob a habil direcção do illustre cidadão J. Rocha dos Santos. E’ um jornal artistico e magnificamente elaborado” (A Cidade, CE, 08/03/1904, p. 02).

Infelizmente Rocha dos Santos não viu toda a grandiosidade de seu jornal. Faleceu no dia 09 de dezembro de 1905, aos 54 anos, vítima de um infarto fulminante. Após sua morte o jornal não circulou por alguns meses, reaparecendo apenas em abril de 1906, quando seus herdeiros o venderam para o Superintendente Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa. Entre 1906 e 1907 teve como diretores Alcides Bahia, Henrique Rubim, Francisco Tavares da Cunha Mello e Vicente Torres da Silva Reis (Jornal do Commercio, 02/01/1913, p. 01).

Em abril de 1907 Vicente Torres da Silva Reis (1870-1947) compra o jornal. Natural do Rio de Janeiro, foi advogado, teatrólogo e jornalista. Com larga experiência na arena jornalística, com atuação em jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, Vicente Reis inaugurou uma nova fase do Jornal do Commercio, dotando-o de moderna infraestrutura. Em 1912 importou dos Estados Unidos três máquinas de linotipo, duas n° 10 e uma n° 05, fabricadas pela empresa Mergenthaler Linotype Company, de Nova York. Foram montadas pelo engenheiro norte-americano Mariano Alfredo Walderrama. O linotipo era uma máquina de composição em chumbo. O texto era produzido primeiro sobre placas desse metal, que em seguida eram organizadas e levadas para a impressão sobre o papel. Foi uma revolução no meio jornalístico, pois substituiu a produção manual.

Vicente Reis foi proprietário do Jornal do Commercio por mais de três décadas, de 1907 a 1943. Nesse período, de 1907 a 1943, foram de grande repercussão nas páginas do JC a valorização da borracha amazônica, sua desvalorização com a entrada da borracha asiática no mercado internacional, as beligerâncias entre os países europeus, culminando na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a chegada da Gripe Espanhola na cidade, em 1918, a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e a Revolução de 1930 articulada por Getúlio Dornelles Vargas. O jornal sempre esteve atento aos eventos internacionais, pois estes poderiam influenciar as relações comerciais regionais e nacionais. Entre 1930 e 1939, foram noticiados o surgimento e ascensão do Nazismo na Alemanha e do Fascismo na Itália, bem como o retorno dos embates entre as nações europeias, dando origem a um novo conflito de proporções mundiais (1939-1945). Todas essas informações chegavam através de correspondentes em Portugal e no interior do Estado (FREIRE, José Ribamar Bessa (Org.). Cem anos de imprensa no Amazonas (1851-1950). Manaus: Umberto Calderaro Ltda, 1990, p. 120).

Com bem vividos 73 anos e buscando descansar após décadas de trabalho, Vicente Reis vende o Jornal em 1943 para os Diários Associados, na época o maior conglomerado de mídia da América Latina, propriedade do jornalista, escritor e empresário Assis Chateaubriand (1892-1968). Chateaubriand também adquiriu a Rádio Baré, criada em 1938, administrando de forma conjunta as duas empresas. Na edição de 09 de fevereiro de 1943 foi publicado o aviso de que

“Não houve nenhuma majoração no preço do JORNAL DO COMÉRCIO com a sua incorporação aos “Diarios Associados”, continuando cada exemplar a custar Cr $0,40, exceto aos domingos, quando é vendido a Cr $0,50. Fazemos este aviso para evitar explorações de qualquer natureza, contando com o concurso do publico para coibir abusos que por ventura se verifiquem na venda deste matutino” (Jornal do Commercio, 09/02/1943, p. 01).

Nesse momento, marcado pela Segunda Guerra Mundial, ganhavam as páginas do Jornal do Comércio, agora dos Diários Associados, as vitórias e derrotas dos Aliados, o retorno da exportação de borracha em grande escala, através dos Acordos de Washington, as notícias sobre a chegada de migrantes nordestinos, os Soldados da Borracha, para trabalhar nos seringais, os decretos federais e estaduais restringindo as atividades de súditos do Eixo no país, as campanhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e a participação de amazonenses nos campos de batalha. O palacete da  sede na Avenida Eduardo Ribeiro foi modificado e reinaugurado no mesmo ano da aquisição pelos Diários Associados. Era um edifício de linhas modernas que sofreu um incêndio em 1977, sendo demolido em 1982.

Vencida a Guerra pelos Aliados, as décadas seguintes seriam de incertezas no cenário econômico regional. Entre 1950 e 1960 o Estado encontrava-se com a economia combalida. O déficit orçamentário municipal e estadual era crescente, e os pagamentos do funcionalismo público há muito estavam atrasados. Em 1957, o Deputado Federal Francisco Pereira da Silva idealiza a Zona Franca de Manaus, à época um Porto Livre, através da Lei N° 3.173 de 06 de junho de 1957. Nesse mesmo ano, estampou a primeira página da edição do dia 31 de julho a matéria “Zona Franca em Manaus na ordem do dia”, que discorria sobre as expectativas que a medida gerava nos empresariados local, nacional e internacional, interessado nas importações e exportações” (Jornal do Commercio, 31/07/1957, p. 01). 10 anos depois, em 1967, a Zona Franca de Manaus é oficialmente criada através do Decreto Lei N° 288, de 28 de fevereiro. No dia 01 de março daquele ano era publicada na primeira página do Jornal do Commercio a matéria “Nova fase para o Amazonas. Manaus dentro da Zona Franca”, em que o autor afirmava que “A transformação da cidade de Manaus em Zona Franca provocou justificado entusiasmo nos circulos administrativos, industriais, comerciais e, enfim, em todos os setores das mais diversas atividades, sendo saudada com a maior euforia” (Jornal do Commercio, 01/03/1967, p. 01).

Ao longo de sua História o Jornal do Commercio teve inúmeros colaboradores, nomes célebres que iniciaram suas atividades intelectuais na imprensa e mais tarde ingressaram nas cadeiras do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia Amazonense de Letras (AAL) e de outras instituições culturais: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1841-1919), Bertino de Miranda Lima, Agnello Bittencourt (1876-1975), Arthur Cezar Ferreira Reis (1906-1993), Genesino Braga (1906-1988), Ildefonso Pinheiro, Padre Raimundo Nonato Pinheiro (1922-1994), Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), Mario Jorge Couto Lopes, João Chrysóstomo de Oliveira, Phelippe Daou (1928-2016), Moacir Andrade (1927-2016), Geraldo de Macedo Pinheiro (1920-1996) e tantos outros pesquisadores e escritores.

Entre 1906 e 1984 teve como diretores, além dos já citados Alcides Bahia, Henrique Rubim, Francisco Tavares da Cunha Mello e Vicente Torres da Silva Reis, Josué Cláudio de Souza, João Calmon (1943-1946), Frederico Barata (1947-1961), João Calmon novamente (1962-1966) e Epaminondas Barahuna (1959-1984) (DUARTE, Durango Martins. A Imprensa Amazonense: chantagem, politicagem e lama. Manaus: DDC Comunicações LTDA-EPP, 2015, p. 17).

Em 04 de dezembro de 1984, depois de mais de 40 anos como propriedade dos Diários Associados, é comprado pelo empresário amazonense Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019), que também adquiriu a Rádio Baré. Foi com Guilherme Aluízio que o jornal ficou restrito ao tripé economia, política e entretenimento, afastando-se de aspectos comuns em outros periódicos, como as páginas policiais, circulando principalmente através de assinaturas mensais e anuais. Após sua morte, em 2019, passou a ser administrado, com muita competência, por seu filho, Sócrates Bonfim Neto. Nos últimos anos o Jornal do Commercio vêm se modernizando, buscando novas formas de abordagem, no caso as mídias digitais, com a produção de conteúdos dinâmicos e a interação nas redes sociais, mas sem perder as referências do passado através do jornal impresso, dando oportunidades a novos autores, que buscam em suas páginas fazer parte dessa brilhante e inigualável trajetória.

Fábio Augusto Carvalho

é historiador
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