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A legítima defesa da fome nos EUA e a da cobiça da Amazônia

Por Juarez Baldoino da Costa (*)

Em maio/22 os EUA permitiram o uso de 1,6 milhão de hectares para agricultura em áreas de reservas ambientais que estavam em preservação e proibidas de cultivo até então, segundo divulgou o Departamento de Agricultura através do secretário Tom Vilsack.

O fundamento é a provável escassez de alimentos que poderá ser motivada pela invasão da Rússia à Ucrânia. Há vozes que entendem ser um mero aproveitamento da situação por interesses econômicos dos que demandaram a medida.

Sem entrar no mérito norte americano, o fato prova que a necessidade humana, quando é crítica, se sobrepõe a qualquer conceito de preservação inclusive ao da propalada preocupação com as futuras gerações – elas que se virem.

Se trata de legítima defesa, neste caso alegada ser pela guerra, e seria por qualquer outra causa que enseje risco de sobrevivência. 

Na Amazônia, sem guerra há muitas décadas, o desmatamento é por vezes justificado como solução contra a fome, ou em legítima defesa contra a fome.

O conceito de que os amazônidas do interior teriam necessidade de desflorestar para comer, mesmo sem ter como desflorestar, é uma narrativa néscia.

Desflorestar, neste sentido, é considerado conceitualmente uma área mínima que se possa incluir na estatística do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ou ainda da NASA, e não a inexpressiva derrubada de parcos exemplares arbóreos que possam ser convertidos em artefatos para uso pessoal ou vendidos para obter renda. Esta renda é para suprir alimentos para agricultores ou pequenas comunidades, prática sem qualquer relação com o chamado dano ambiental e que é legitima subsistência dos povos florestados.

Há narrativas sobre o desmatamento em que o narrador parece sugerir um cenário que mais parece um cenário cinematográfico, no qual os amazônidas moradores em áreas adjacentes, para matar a fome, se reúnem sincronizadamente em local e data combinados, e em um mês conseguem desmatar, por exemplo, os 1.012 Km² de abril/2022 divulgados pelo INPE, 74% deles situados em áreas privadas ou de posse, e 13% em áreas de preservação, segundo o Imazon.org.br.

Neste roteiro de cinema, os 87% de proprietários ou responsáveis convocariam os caboclos do interior para o serviço, que estariam, cada um deles, na posse de suas motosserras.

Estudos publicados também pelo INPA – Instituto de Pesquisa da Amazônia, dão conta de que existem cerca de 600 árvores em média por hectare numa floresta amazônica, e, portanto, seriam 61 milhões de árvores a cortar para atingir os 1.012 Km² de abril. Se cada caboclo cortasse 1 árvores a cada 15 minutos durante o mês, seriam necessários 87 mil trabalhadores em regime horário de CLT, equivalentes a 80% de todos os trabalhadores do PIM – Polo Industrial de Manaus.

No final do filme, certamente haverá a explicação de que é apenas ficção, e que desflorestar 1.012 Km² em um mês só pode ser conseguido, na realidade, por estruturas com tratores tipo D8 arrastando os correntões, mais a conivência da fiscalização pública, estradas para escoamento através de caminhões (aqueles invisíveis que só alguns repórteres conseguem fotografar e filmar) e mercado garantido.

O resultado nesta realidade é que a fome do tratorista foi combatida também com uma boa e saborosa farinha, mas não talvez com o caviar dos contratantes, e os que usariam motosserras terão que se virar, como estão se virando historicamente.

É indiscutível que a fome na Amazônia deva ser combatida com o que for necessário, assim como é indiscutível que é falácia que o desmatamento estruturado e criminoso seja para combater esta mesma fome.

Farinha e caviar são iguarias para fomes diferentes.

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(*) Amazonólogo, MSc em Sociedade e Cultura da Amazônia – UFAM, Economista, Professor de Pós-Graduação e Consultor de empresas especializado em ZFM.

Juarez Baldoino da Costa

Amazonólogo, MSc em Sociedade e Cultura da Amazônia – UFAM, Economista, Professor de Pós- Graduação e Consultor de empresas especializado em ZFM.
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