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A evolução histórica e social das vias públicas

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Hoje, quem passa por uma rua, avenida, beco ou travessa, independente da cidade, talvez não se questione sobre a origem daquela via pública, quais os motivos para a sua abertura e quais as mudanças ocorridas com isso. As vias públicas como as conhecemos atualmente são o resultado de um longo processo de aperfeiçoamento social e técnico: social no sentido de ligar diferentes pontos de uma cidade, onde são realizadas transações comerciais, oferecidos serviços, abriga templos religiosos e, claro, as casas; e técnico pela forma como são construídas e com quais materiais foram produzidas.

Quando os homens ainda se agrupavam em comunidades primitivas, com atividades de subsistência baseadas na pesca, coleta e troca de produtos, talvez a abertura de caminhos não tivesse um sentido técnico-econômico complexo, servindo apenas para atalhos, localizar um curso d’ água ou para facilitar a comunicação entre as casas ou um local de adoração a divindades. Com algumas exceções, já existe uma preocupação no traçado desses caminhos (ruas e avenidas), como ficou claro em escavações arqueológicas na Turquia, entre 1996-97, que revelaram a antiga cidade de Titris Hoyuk (cerca de 5.000 anos), que chegou a abrigar 10.000 habitantes.

Na Antiguidade Clássica, as ruas da Roma Imperial eram construídas em ângulos retos, e largas, possibilitando um tráfego fluente de carruagens, liteiras e transeuntes sem maiores problemas. Os templos e foros se comunicavam; comerciantes anunciavam os mais variados produtos em cavaletes e barracas instaladas de uma ponta a outra da via; semblantes de diferentes nacionalidades se aglomeravam em busca das melhores ofertas, de um lugar para repousar, como os albergues e pensões, ou cuidar da higiene em um dos vários banhos públicos. O anfiteatro, casas de prostituição e tavernas prolongam a vida noturna, iluminada por tochas ou pela queima do azeite, mas perigosa nas estradas mais afastadas, que ligavam Roma à diferentes pontos da Itália.

As ruas medievais eram estreitas, ou porque seguiam a linha da muralha, uma necessidade de defesa para a cidade; a direção dos ventos, para arejar; ou a formação geográfica tortuosa da região. Eram, no entanto, movimentadas pelo comércio e por atrações dos tipos mais variados. A nomenclatura das ruas é definida por nomes populares, geralmente ligadas a uma atividade comercial nela estabelecida: Rua dos Ourives, Rua dos Cuteleiros, Rua dos Livreiros. Existem também nomes de santos e de nobres. A pavimentação das vias era feita com pedras sob uma camada de cimento. Esgotos eram construídos para dar vazão aos detritos públicos, e o resto era queimado. Construídas na rua principal, a fim de dominarem a paisagem e servirem de confluência política, social e religiosa, estavam as catedrais, abadias e capelas.

Nos séculos XVI e XVII, as ruas e avenidas das principais metrópoles europeias foram favorecidas pela exploração ultramarina, que possibilitou o escoamento de riquezas para essas cidades, riquezas essas investidas em Lisboa, Paris, Madri e Amsterdã. As vias públicas mais preteridas pela burguesia eram aquelas com localização privilegiada, no caso a orla da cidade ou próximo a ela. A Rua Nova d’ EL REI era a principal via da Lisboa Manuelina. Nela estavam os prédios públicos mais suntuosos e importantes e as principais lojas do país. Estrangeiros, vendedores de escravos, nobres e aristocratas frequentavam o local. O Óleo de baleia era utilizado na iluminação. Não só na Europa, mas também nas terras recém-descobertas, as ruas eram suntuosas. Hernán Cortés se impressionou com ruas de Tenochtitlán, largas e retas, tão grandes quanto as de Sevilha ou Córdoba, com praças e pontos de venda e troca de produtos.

Os caminhos do Brasil Colonial ligavam a Igreja ao forte, o forte a casa do administrador, e a produção econômica ao porto. Esses caminhos eram definidos pelas construções e muitas vezes eram o reaproveitamento de antigas trilhas indígenas. Na enriquecida Minas Gerais, por exemplo, os caminhos de terra batida interligavam a produção da região: Pelo Caminho Velho ou Caminho do Ouro, que passava pela Vila do Falcão, descendo o vale do rio Paraíba e atingia Vila Rica, o ouro das minas era transportado até o Rio de Janeiro, de onde partia para Lisboa. Os caminhos eram tortuosos, estreitos, iluminados apenas em algumas cidades, por meio de velas feitas com cera de abelha ou pela queima de óleos vegetais e animais. As cidades mais importantes recebiam o acompanhamento de engenheiros militares na hora de definir o traçado das ruas. A rua, junto à praça pública, era o local do divertimento popular, das procissões religiosas, do comércio, dos castigos no Pelourinho, trajeto dos condenados à morte, e local de exposição das partes dos corpos de rebeldes esquartejados. As nomenclaturas eram pitorescas, levando em conta alguma característica especial da região, nomes religiosos ou de moradores ilustres.

Os avanços industriais dos séculos XVIII, XIX e XX permitiram o prolongamento da vida urbana, com o advento da iluminação pública mais eficiente. Os caminhos do passado agora eram ruas e avenidas propriamente ditas, construídas sob a supervisão de engenheiros e através de códigos de conduta rígidos. O asfalto produzido através do petróleo substituiu as pedras e o cimento; a iluminação a gás ou energia elétrica permitiu que a ópera acabasse mais tarde, que as casas de diversão, os cafés e tavernas atendessem por mais tempo. A rua ganhou a função social que possui até hoje: é o local de lazer, das práticas mundanas e religiosas, das trocas comerciais, do trabalho, é elemento concreto das relações sociais, de manifestações públicas, o caminho que leva a diferentes locais e partes vitais da cidade.

Fábio Augusto Carvalho

é historiador
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