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A arquitetura secular e os janelões de Manaus

A partir de 1900, com o enriquecimento da cidade pelo comércio da borracha, Manaus se encheu de belos casarões e palacetes. Suas existências, porém, foram efêmeras. A partir da década de 1950 eles começaram a ser demolidos pelos seus proprietários porque eram considerados ultrapassados. Em seus lugares surgiram os bangalôs, com arquitetura bem mais simplificada. Nas décadas seguintes, 60, 70 e 80, as demolições de casarões e palacetes continuaram e os que não tiveram esse fim, há alguns anos estão abandonados, sofrendo o desgaste do tempo e, mais cedo ou mais tarde, também irão ao chão.

Para tentar resgatar, ao menos na memória dos manauaras, a imagem do que foi a arquitetura da Manaus da belle époque, a estudante de arquitetura e urbanismo Suany Ximenes caminha pelas ruas do Centro antigo fotografando, e depois desenhando, as fachadas das construções centenárias dando uma atenção especial aos janelões, comuns naquela época.

“Comecei esse trabalho, em 2019 e, quando a pandemia fechou tudo, em 2020, eu o fiz ainda com mais intensidade já que as ruas ficaram vazias e isso facilitava analisar com calma cada uma das fachadas. Meu interesse maior era mostrar os elementos de cada arquitetura daquelas”, contou.

A partir dessas caminhadas, Suany criou o projeto ‘Janelas de Manaus’, que pode ser visto no Instagram @janelasdemanaus, onde a jovem publica as fotos e desenhos que faz.

“Eu tiro as fotos e depois, em casa, com calma, desenho a fachada, ou a janela, e acrescento as cores iguais ao original. Esse estudo tem a finalidade de incentivar as pessoas a gostarem e respeitarem Manaus”, disse.

“Quando a pandemia fechou tudo, em 2020, eu trabalhei ainda com mais intensidade já que as ruas ficaram vazias”

Suany Ximenes, estudante

Vários estilos

Ao mesmo tempo em que produz um trabalho que servirá aos manauaras, Suany vai aprimorando os seus conhecimentos não só arquitetônicos, mas também históricos. Apenas olhando os janelões, a futura arquiteta conseguiu reconhecer alguns dos povos que viveram, e vivem, em Manaus. No Instagram ela identifica cada um dos locais da foto para quem quiser ir verificar in loco.

“Tem janelões com estilo europeu, como o gótico, surgido onde hoje é a França; o colonial, trazido para o Brasil principalmente pelos portugueses; e o árabe. Cada povo, quando muda de um lugar para o outro, leva traços de sua cultura, entre elas, a arquitetura”, falou.

“Na rua 10 de Julho, em Aparecida, descobri quatro casas com fachadas em estilo árabe. Já os portugueses, que começaram com Manaus, em 1669, e durante séculos foram seus maiores habitantes, decoravam suas casas com azulejos. Até agora encontrei muitos casarões e palacetes com azulejos, no Centro antigo”, informou.

Além dos janelões, ela também fotografa as gateiras e as janelas do porão, que a maioria das pessoas vê e não sabe para que serviam.

“As gateiras, apesar do nome, não era a entrada para gatos, mas para um espaço que servia para arejar o porão, ficando logo abaixo destes. Esses espaços tinham, em média, uns 40 cm de altura. Já as janelas de porão apesar de também serem próximas ao chão, escondiam atrás de si os porões nos quais facilmente poderia se andar em pé, porém, não serviam para moradia e sim para ventilar o andar superior. Mas havia porões mais baixos”, explicou.

“Quanto aos janelões, eram altos e, em alguns casarões, vários, exatamente para que o ambiente ficasse bem iluminado e ventilado. Com o surgimento de ventiladores e ar condicionados, viraram apenas janelas, como as que conhecemos hoje”, completou.

Lado empreendedora

Atualmente Suany tem quase 300 fotos publicadas no Instagram, grande parte já desenhada, e descobriu um nicho de mercado praticamente inexplorado. Nessa hora falou seu lado empreendedora. Ela está desenvolvendo pequenos objetos de papelaria com os desenhos das fachadas e dos janelões.

“Eu já tenho produzidos, e sendo comercializados, bottons, marcadores de páginas de livro, imãs de geladeira, calendários, cadernetas com páginas em branco, blocos de destaques e caixa com sete janelas do Teatro Amazonas”, listou.

Ela mesma produz o material, em casa, artesanalmente, e seus clientes são arquitetos profissionais, alunos e futuros alunos de arquitetura, e mesmo admiradores da arte que a jovem cria.

“Eu comecei com um produto, vi que tinha saída, e fui idealizando outros, que também tiveram boa aceitação, e assim o portfólio foi crescendo. Agora estou trabalhando num livro de bolso ilustrado com desenhos de fachadas e janelões, e ao lado uma breve explicação arquitetônica e histórica sobre eles”, adiantou.

Os clientes de Suany também integram o ‘Clube de Arquitetura’, criado pela professora Tathyana Marques. Toda semana o Clube promove cursos, palestras e visitas a prédios de Manaus e vários dos integrantes levam consigo os objetos criados pela futura arquiteta, fotógrafa, desenhista e empreendedora.

“Quero mostrar para os manauaras o que nossa cidade tem de bonito e que muitas vezes, na correria do dia a dia, nem olhamos para o lado, ou levantamos a cabeça para perceber. Mesmo os casarões e palacetes abandonados, ainda têm beleza. Espero que esse meu trabalho sirva para chamar a atenção para eles e, quem sabe, alguém se interesse em restaurá-los”, concluiu.       

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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