Pesquisar
Close this search box.

A Amazônia precisa de ciência e tecnologia

O pesquisador sênior do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), biólogo Adalberto Luis Val, foi eleito, no início do mês, membro da TWAS (The World Academy of Sciences), ou Academia Mundial de Ciências, instituição localizada em Trieste, na Itália, que reúne, agora, 1.343 pesquisadores do mundo todo. Este ano foram nomeados 58 novos membros, sete brasileiros, entre eles, Adalberto, que deu esta entrevista ao Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio: Qual a importância de pertencer à Academia Mundial de Ciências?

Adalberto Luis Val: Essa escolha significa uma distinção, um reconhecimento do trabalho que desenvolvemos com muitas mãos aqui na Amazônia há 40 anos. É um reconhecimento ao trabalho do Inpa também, posto que foi nesta instituição que tive liberdade para pensar e contribuir com a construção do conhecimento que temos sobre a região. Ciência é somar e somamos. Por isso agradeço não só aos meus colegas de laboratório, mas a todos os alunos que conosco dividiram anseios e sonhos. Nestes últimos dias nosso laboratório contribuiu com quatro novos doutores para a Amazônia, só possíveis por conta do apoio da Fapeam, do CNPq e da Capes. Há muito o que fazer pela Amazônia, há muito que reconhecer aqui. O próprio Brasil precisa olhar para a Amazônia. Desenvolvimento sustentável não se faz por decreto e nem de um dia para outro: requer ciência e pessoal capacitado e é isso que a TWAS reconhece em profissionais e promove no mundo em desenvolvimento.

JC: A sua escolha coloca a Amazônia no centro das atenções científicas?

ALV: A Amazônia sempre esteve no centro das atenções científicas, mais ainda agora diante dos desafios ambientais mundiais. A distinção concedida pela TWAS reforça a importância de um olhar para a Amazônia que envolva a ciência, a tecnologia, a conservação ambiental, a inclusão social e a geração de renda. É preciso olhar a floresta como um repositório de informações que precisa ser acessado com as novas tecnologias para gerar informações robustas para o sonhado desenvolvimento sustentável sem derrubar a floresta, interromper o fluxo dos rios. Contudo, sem investimentos em C&T, ou com os históricos investimentos, que separam a Amazônia das demais regiões do país não é possível.

JC: Fale um pouco sobre suas pesquisas de quatro décadas.

ALV: Nossos estudos buscam responder como organismos que vivem nas águas da Amazônia, em particular os peixes, conseguem enfrentar os profundos desafios ambientais reinantes na região: águas com pouco oxigênio, ácidas e quentes. Foi ao longo da formação da bacia, desde o levantamento dos Andes, há cerca de 65 milhões de anos, que esses organismos foram desenvolvendo essas adaptações. Hoje concentram informações em seu código genético que os tornam resistentes para alguns desafios ambientais, mas muito vulneráveis para outros. É preciso conhecer isso e desenhar estratégias para manter nossa segurança alimentar.

JC: Nesses 40 anos de pesquisas o Sr. notou alguma mudança, para melhor ou para pior, na ictiofauna amazônica?

ALV: A primeira resposta de um ser vivo a um ambiente desconfortável é deixar esse ambiente. Isso vale para nós também. Pois bem, converse com um pescador e peça para que lhe conte se é possível pescar tambaqui no entorno de Manaus. Também reflita sobre o efeito das cheias e vazantes intensas sobre os peixes migradores, como jaraqui e matrinchã. As mudanças começaram lentamente e hoje se expressam de forma mais intensa.

JC: Existe algum tipo de mudança climática nas águas amazônicas?

ALV: As mudanças climáticas são sinérgicas, ou seja, são vários fatores ambientais que variam em conjunto e afetam de forma significativa os organismos. O aumento de dióxido de carbono, por exemplo, ao se dissolver na água, a torna mais ácida, desloca o oxigênio, criando dois desafios simultâneos para os peixes. A água ácida requer mais energia do peixe, por exemplo, para manter seu bem-estar e para produzir energia o peixe precisa de oxigênio. O dióxido de carbono que fica na atmosfera cria o efeito

estufa, causando um aumento da temperatura. As águas quentes da Amazônia ficam ainda mais quentes. Isso coloca muitas espécies em risco, já que muitas delas vivem próximo de seu limite térmico.

JC: O Sr. pode adiantar que tipo de pesquisa está realizando nesse momento?

ALV: Nosso laboratório com apoio da Fapeam, do CNPq e da Capes, no Brasil, e de duas agências do exterior, tem desenvolvido as atividades do INCT ADAPTA que é uma rede de laboratórios de pesquisas, nacionais e estrangeiros, que estuda a fisiologia e a bioquímica de organismos aquáticos, incluindo as pressões ambientais causadas pelo homem, como a poluição e as mudanças do clima. Estudamos os organismos em seus ambientes naturais, mas também em salas climáticas que simulam as condições ambientais do ano 2100 como previsto pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima). Outros estudos complementares, requeridos pelos cenários que se nos apresentam, como a pandemia, são também realizados.

JC: Como membro da TWAS quais são suas atribuições com relação à instituição?

ALV: Como pesquisador da Amazônia, vou me colocar à disposição da TWAS para ajudar no limite do que aprendi com a ciência e com a interlocução com as pessoas aqui da região ao longo desses 40 anos. A ciência contemporânea tem de manter a interlocução com o etnoconhecimento e com o que aprenderam as populações que vivem há milhares de anos na região. Tenho feito isso na Academia Brasileira de Ciências, servindo-a como seu vice-presidente para região Norte. Vou continuar fazendo isso onde puder ajudar para que pensemos a Amazônia como uma região estratégica para o Brasil e para o mundo, uma região que quer que seus habitantes sejam ouvidos e não só tenham que ouvir, uma região que precisa de ciência e tecnologia produzidas especificamente para ela.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
Compartilhe:​

Qual sua opinião? Deixe seu comentário

Notícias Recentes

Pesquisar