Por Alfredo Lopes – Coluna Follow-up 01.12.2022
Professor de engenharia da produção – que tem se dedicado a interpretar/compartilhar sua área de conhecimento com as lentes do interesse público amazônico – tanto do ponto de vista de sua gente como da sua caridade deste patrimônio natural, o ensaísta Augusto César Barreto Rocha, co-fundador do portal BrasilAmazoniaAgora, tem pautado questões da Hileia, dentro do paradigma aqui destacado. Essas pautas e abordagens, pouco usuais, precisam ser sublinhadas para alumiar os debates relevantes que nos competem entabular antes de arregaçar as mangas da intervenção e da mudança no cotidiano.
Em seu último ensaio, a Amazônia e o Mercado, aqui republicado, o ensaísta não conteve o dever de denúncia sobre a hipocrisia nacional, ou o falso dilema entre a caricatura conceitual do mercado, e a emergência das medidas processuais e constitucionais de atendimento à pandemia da vulnerabilidade social do país que voltou ao mapa da fome.
Falsos debates a serviço sabe-se lá de quem, para favorecer a este ou aquele segmento. E que, em nome disso, fabricam narrativas que ganham ares de revelação transcendental. Mais do que nunca – neste ecossistema faccioso e dominante – é preciso revisitar o Mito das Cavernas de Platão, segundo o qual as pessoas se acomodam em ficar de costas para a entrada da caverna, de onde vem a luz do entendimento. E passam a acreditar somente nas sombras ideológicas da manipulação delas mesmas, as sombras projetadas nas paredes do lugar. Ou nas telas da comunicação digital.
O ensaísta comenta ainda as opiniões distorcidas que borbulham sobre a economia da Amazônia baseada em compensação fiscal de apenas 7,8% do bolo federal de incentivos. Com essa discreta fatia foi consolidado terceiro PIB industrial do país, o Polo industrial de Manaus.Diz ele. “O tal “mercado” tipicamente é contrário à industrialização nacional, pois neste imaginário, deveremos fazer a nossa vocação: ser escravizado para produzir alimentos sem recolher impostos e ofertá-los para o mundo”. Este sofisma – traduzido pelo presidente da CNI como a transformação do país num grande roçado, só não é maior do que a imoralidade de conferir ao Polo industrial de Manaus o estigma de ser o responsável pelo maior rombo de renúncia fiscal do país.
É o primeiro caso da história da riqueza do homem em que o direito ao imposto nasce do nada e é reivindicado por quem jamais compareceu com qualquer contribuição pecuniária ao empreendimento instalado no coração da Amazona. Dizendo de outro jeito: antes da Zona Franca de Manaus nada existia e nenhum centavo foi aportado, a partir de então, para justificar o direito à arrecadação “perdida”. Conta outra, PEC-45! De concreto, houve apenas um convite aos investidores para aplicar seus recursos na região. E de retorno, poucos anos depois, o Amazonas foi-se transformando, proporcionalmente aos seus ganhos anuais, no maior contribuinte da Receita Federal do Brasil. Apesar disso, este caça-níquel fiscal jamais se dispôs a contribuir com a infraestrutura logística da operação. O Porto existente em Manaus, o maior porto fluvial do país, foi construído no início do Século passado e jamais teve similar desde então. Vamos visitar a Amazônia e o Mercado do Augusto ensaísta.
A Amazônia e o Mercado
Augusto Cesar Barreto Rocha (*)
De maneira lenta, gradual e segura a imprensa brasileira criou o poder do “mercado”. É nosso quarto poder. Uma pequena flutuação do dólar ou da bolsa de valores é a “resposta do mercado”. Diferente de publicações especializadas estrangeiras, como o Wall Street Journal (EUA), Financial Times ou The Economist (Inglaterra), que até fazem leituras de movimentos diários, mas sempre o colocam em perspectiva de longo prazo, por aqui, o que se faz é assumir pequenas flutuações e volatilidades como se fossem longo prazo. E tiram disto leituras absolutas e não o que elas realmente são: leituras relativas e de impactos, que sempre deveriam ser colocadas num horizonte mais amplo.
Neste imaginário, criado pelo poder paralelo dos leitores da opinião alheia (que se assemelhariam à quiromantes ou praticantes de tarot, não fossem as partes interessadas ou stakeholders tão poderosos, ao contrário de cartas ou mãos inocentes), cria-se um conjunto amplo de discursos, que levam a um pensamento único, com um falso debate público. O que interessa para a Amazônia? É uma prática ESG ou uma prática destruidora? É uma prática sustentável ou uma prática de agricultura? É a proteção do verde ou a sua destruição?
O tal “mercado” tipicamente é contrário à industrialização nacional, pois neste imaginário, deveremos fazer a nossa vocação: ser escravizado para produzir alimentos sem recolher impostos e ofertá-los para o mundo. Isso é ótimo para o estrangeiro e péssimo para nós mesmos: o verdadeiro interesse do tal “mercado” parece ser o de manter a relação de colônia que é tão cara aos países mais ricos. É isso mesmo o que queremos? Parece que não, mas é o que fazemos.
Ou será que o interesse do nosso mercado é que por aqui tenha uma indústria competitiva? Por que isso não interessaria? Como assim, não é vocação de Manaus produzir motocicletas ou televisores? Faz décadas que os produzimos, com multinacionais globais, de maneira competitiva. A pergunta deveria ser: como aumentar esta competitividade? Por que ainda tratamos a indústria consolidada da ZFM como um enclave na região? Como se este mercado que por aqui existe não estivesse ganhando dinheiro faz anos. E, o melhor, ganha dinheiro, gera empregos e impostos. De quais grupos de interesses é o desejo de destruição da ZFM ou da floresta amazônica?
Precisamos começar a questionar as opiniões fortes contra a ZFM e contra o meio ambiente e a proteção da Amazônia. Necessário entender que estes entes que têm o nome “mercado”, não possuem face com quem falar, mas um espectro de opiniões em off para jornalistas, não podem seguir a ser um parâmetro de gestão de país.
Está na hora de o “mercado” ter nome e sobrenome e os interesses da Amazônia e dos Amazônidas começarem a ficar na mesa, minimamente em pé de igualdade com os consensos falsos e de interesses ilegítimos. A indústria que está aqui é consolidada e a floresta também. Todavia, ambos precisam urgentemente de proteção contra os destruidores – que em geral agem nas sombras, não têm nome, nem sobrenome e usam como o escudo palavras lindas, dentre elas o tal “consenso do mercado”.
(*) Professor da UFAM.