“Redução das desigualdades regionais e precificação dos serviços ambientais são duas bandeiras fundamentais para manter e fortalecer a economia da Amazônia que emite NFE, que exigem aplicação regional dos recursos gerados pela ZFM, e sua diversificação para uma economia decididamente verde. Ou há outra saída?”
Por Alfredo Lopes (*)
A indústria instalada em Manaus, no coração da maior floresta tropical da Terra, é credora ou devedora em sua contabilidade ambiental? A economia verde é viável na região ou a Amazônia seguirá sendo almoxarifado biológico da humanidade? Essa é uma pergunta da hora. Afinal, nas exigências para a manutenção da ZFM, um dos termos da negociação com os atores federais da Reforma Fiscal é a diversificação da economia na direção sustentável do ambiente florestal. Nada mais lógico e oportuno do que fazer dessa orientação um passo a passo de parâmetros operacionais. Como se faz isso? E quais as medidas vitais da proteção florestal?
Nos antecedentes conceituais de implantação da ZFM, nos anos 60, a proteção da Amazônia foi fundamental na decisão dessa política do Estado Brasileiro ao desenvolvimento da Amazônia. “Integrar a região ao resto do Brasil para não entregá-la à cobiça internacional”. A propósito, podemos interpretada este mote como o compromisso original da ZFM, Zona Franca de Manaus e seu Polo Industrial: cuidar/proteger/desenvolver a floresta em favor de seus habitantes, o ser humano. Afinal, se trata do ser mais nobre na escala evolutiva desde Alfred Russel e Charles Darwin, dois botânicos ingleses que firmaram teorias evolutivas a partir da Amazônia.
“A melhor maneira de proteger um bem natural é atribuir-lhe uma função econômica”, dizem os pensadores regionais todas as vezes que ensaiam a defesa do desenvolvimento regional, necessariamente, sustentável. E foi exatamente essa a proposta da governança federal quando firmou o acordo com da União com investidores numa região remota em troca da compensação fiscal. Afinal, ninguém investiria na Amazônia – desprovida de infraestrutura competitiva – sem a contrapartida tributária. A conjugação do verbo proteger, desde então, limitou-se a oferecer emprego, renda e oportunidades que não desmatassem, ou promovessem quaisquer outras alternativas predatórias ou ilegais.
E quais foram as outras formas de induzir a proteção florestal além das atividades econômicas e suas implicações sociais previstas em Lei? Bem, diferentemente do que a opinião pública compreende diante da sigla ZFM, a economia local não é um paraíso tributário pelo fato de ser isenta de quatro impostos entre as miríades cobrados no Brasil. Pelo volume de recursos recolhidos pelas empresas atuantes em Manaus e inscritas na Suframa, na verdade, a ZFM bem poderia ser chamada “paraíso do Fisco”, como costumava afirmar o economista e empresário, Samuel Benchimol. Sua convicção estava baseada em dados estatísticos públicos do Estado e da União. Esses recursos, porém, em sua maioria, sempre +l, kZc foram repassados para o poder público.
Em 2009, estudos feitos na Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia, da USP, Criação e Distribuição de Riqueza pela Zona Franca de Manaus, apresentaram os seguintes resultados para a distribuição de riqueza a três grupos: pessoal, governos e proprietários. Foi utilizado o teste de média e os achados mostram que enquanto as empresas industriais instaladas na ZFM distribuem 27,28%, 54,42% e 1,82% aos empregados, governos e proprietários, respectivamente, as empresas pares situadas fora distribuem 36,31%, 41,54% e 6,44%, respectivamente. Estes dados confirmam que o governo é o principal beneficiário. É para os cofres públicos que são recolhidos os ativos financeiros do programa ZFM.
Outros estudos mais recentes, sob a responsabilidade da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2018, Zona Franca de Manaus, Impactos, efetividade e oportunidades, reconhecem que, para cada Real que os cofres federais deixam de recolher da Suframa, R$1,4, pelo menos, é repassado para o bolso do contribuinte através dos itens por ele adquiridos e fabricados no Polo Industrial de Manaus. Nos mesmos estudos são propostos mecanismos de acompanhamento na aplicação dos recursos recolhidos pela Receita Federal. Esses repasses fiscais colocam o Amazonas entre os 8 maiores contribuintes do Tesouro. No âmbito estadual, para financiar integralmente a Universidade do Estado do Amazonas, o Turismo e Interiorização do Desenvolvimento e as Micro e Pequenas Empresas, as indústrias repassam a cada ano mais de R$ 2 bilhões a cada ano.
Então, o que faltou às empresas da ZFM para desencadear o contrato original de proteger a floresta e reduzir as desigualdades regionais se, por exemplo, em março último, segundo dados do INPE, o Amazonas foi o Estado que mais desmatou na série histórica do mês e se no interior do Estado perduram mais de uma dezena de municípios entre os 50 piores IDHM, índices de desenvolvimento humano municipal. Mesmo cumprindo rigorosamente a Lei, o que faltou fazer para que a riqueza aqui produzida – por acordo contratual de compensação tributária – fosse aplicada na região como recomenda a Carta Magna que autoriza incentivo fiscal para reduzir desigualdades regionais?
A conjugação do verbo fazer, como diz etimologia, é transformar intensão em fato, isto é, assegurar a realização do propósito. E isso não ocorreu como era desejável. É bem verdade que em incontáveis reuniões, há quase meio século de existência deste Centro da Indústria, foram debatidas, planejadas e programadas ações efetivas para girar a chave da mudança. Afinal, o caminho foi desenhado, em conjunto com o poder público, através da redação e publicação de expedientes legais para aplicar na região a riqueza gerada pela política fiscal, Uma das aplicações seria precificar os serviços ambientais e estimular as ações conectadas com tais serviços.
A outra iniciativa para enfrentar os embaraços aqui seria entrar com a ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais. A tal da obrigação de fazer. Foi assim em 2022, quando as empresas do PIM, através de uma agremiação política, o Solidariedade, buscaram a Suprema Corte para conter ensaios de desconstrução do Polo Industrial de Manaus. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADPF, entretanto, foi ensaiada e até orientada pelo MPF AM, como em outros alertas, permanece parado nas gargantas dos atores mais afoitos em equacionar os impasses do programa Zona Franca de Manaus. Até quando vamos protelar, o que falta para destravar as mudanças, como avançar na antecipação da utopia Amazônia, e quem deveria se envolver mais na consolidação dos acertos desta iniciativa? Redução das desigualdades regionais e precificação dos serviços ambientais são duas bandeiras fundamentais para manter e fortalecer a economia da Amazônia que emite NFE, que exigem aplicação regional dos recursos gerados pela ZFM, e sua diversificação para uma economia decididamente verde. Ou há outra saída?
(*) Alfredo é escritor, filósofo e editor geral do portal BrasilAmazoniaAgora, consultor do CIEAM e coordenador editorial da Coluna follow-up.