“E atuar na Amazônia tem sabor de mistério e temor do sagrado. Afinal, tratada por alguns como o último jardim do mundo, e por outros como inferno verde ou paraíso perdido, esta floresta guarda as respostas e soluções para – entre tantas outras demandas – a crise climática e para a preservação da biodiversidade, ou seja, a complexidade, promessas e oportunidades da vida e de sua abundância a serviço da humanidade.”
Por Alfredo Lopes (*) Coluna follow-up – BrasilAmazoniaAgora (*)
Nesta semana que passou, um dramático alerta foi publicado pela revista Science, uma das mais respeitáveis fontes de informações, debates e descobertas científicas do planeta. Com a colaboração do cientista amazônida, Adalberto Luís Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Academia Brasileira de Ciência e Academia Mundial de Ciências, e mais um timaço de renomados pesquisadores do clima e da biodiversidade, o dramático alerta saiu em forma de artigo “Overcoming the coupled climate and biodiversity crises and their societal impacts” (em tradução livre, “Superando as crises combinadas de clima e biodiversidade e seus impactos sociais”,) que aponta a necessidade imperativa de abordagens conjuntas entre a questão climática e o tratamento a ser dado aos acervos da biota terrestre, seu banco genético em avançado estágio de extinção. Ou seja, para gerenciar o clima é preciso proteger as florestas. E o que isso tem a ver com a economia da ZFM, um programa de desenvolvimento voltado à redução das desigualdades regionais? Aqui, afinal, é o lugar mais importante da Terra para debater o futuro da Humanidade e os problemas do aquecimento global e sua relação direta com a diversidade biológica e florestal da Terra. É preciso pautar urgentemente esta interlocução.
O Brasil voltou, diz o novo slogan, mas a tarefa de proteger a Amazônia ainda está nas intenções, salvas uma ou outra iniciativas. Neste momento, arcabouço fiscal e reforma tributária são premissas de sobrevivência. E no Amazonas, a despeito dos acordos e contratos firmados entre os investidores e as autoridades constituídas no Brasil, as empresas correm risco de dançar a marcha fúnebre da desaparição. Os empreendimentos aqui instaladas, apesar de chanceladas por suporte constitucional, estão à mercê das canetadas que falam mais alto que a legislação.
De acordo com o mais recente depoimento do tributarista responsável pela reforma fiscal do ministério da Fazenda, publicado no jornal O Globo deste 25.04, “…as mudanças na ZFM não serão traumáticas, pois estamos conversando com o governo do Estado sobre o melhor caminho”. Ora, para decidir como a banda toca é essencial conhecer a fundo a dinâmica da economia, cultura e história local. Aos governos competem outras atribuições. Eles são, fundamentalmente, escalados para gastar e é com isso que eles precisam se ocupar e se qualificar. Para um país pobre como o Brasil é importante prestigiar quem sabe poupar, investir e multiplicar valores. As contribuições do setor público passam ao largo da movimentação produtiva de Manaus, o tal do chão de fábrica, onde mais de cem mil trabalhadores entregam o fio da meada de um novelo que espalha meio milhão de empregos, oportunidades e receitas públicas a partir de Manaus com reflexos surpreendentes por todo o país. O poder público precisa não apenas conversar sob as luzes da filmagem. É preciso interagir e compartilhar soluções e decisões. E prestar atenção integral quando o assunto é proteção florestal.
É preciso muita atenção e prontidão nesta hora. A que mudanças pouco traumáticas se refere o tributarista, e em que os “especialistas críticos” – leitores de orelhas no livro que trata da paisagem socioeconômica da Amazônia – se baseiam para afirmar que a ZFM representa a maior parcela da renúncia fiscal do Brasil? No bolo fiscal de incentivos, hoje, aqui e no portal da Receita, o governo federal abre mão de apenas 7,8% dos gastos fiscais. Ou seja, o percentual das isenções tributárias para propiciar a redução das desigualdades regionais entre o Norte e o Sul do país. Esses supostos gastos fiscais, segundo Márcio Holland e equipe da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, são repassados para o contribuinte em forma de produtos mais baratos e manufaturados no polo industrial de Manaus. Mas essa, com certeza, não é a questão. No máximo, uma tergiversação! O Amazonas contribui com menos de 2% do PIB do Brasil. Qual o sentido de remover seu portfólio de acertos sem ter o que colocar no lugar?
A economia da ZFM financia programas prioritários de Bioeconomia e Tecnologia da Informação e Comunicação, para toda a Amazônia Ocidental, além de financiar integralmente a Universidade do Estado do Amazonas, entre outros repasses bilionários ao poder público. Em vez de virar sonífero bovino para o rentismo insaciável deveria ser mantida e ampliada pelas potencialidades de recursos que gera ao país e que deveriam ser repassados para a população que aqui vive, a mais empobrecida do Brasil. E não são. Deveríamos, precisamente, estar conversando sobre esses paradoxos, mas também sobre nossa contribuição para o clima e proteção da floresta. É isso que vai resolver os enigmas, labirintos e faniquitos políticos do país nessa rachadura da patologia política.
Priorizar a bioeconomia é assegurar uma finalidade econômica da proteção florestal. Por isso as empresas estão repassando as verbas de P&D para quem quiser e souber investir nessa ululante solução. Por todo o Estado, estão se espalhando jovens empreendedores, que se qualificam junto ao gestor escolhido pela SUFRAMA, o IDESAM, que avalia e fomenta projetos para quem topar empreender sob o critério sagrado da sustentabilidade e o propósito da indissolubilidade entre economia e proteção florestal. Este é um debate vital.
As fábricas do polo industrial de Manaus, seus colaboradores, fornecedores, respectivas assistências técnicas são conquistas de produção fabril de classe mundial. Aqui, todos estamos inseridos ou relacionadas, direta ou indiretamente à floresta e ao seu papel decisivo no enfrentamento emergencial da mudança climática. Mais do que isso. Os investidores, ao escolher a Amazônia como centro de suas operações produtivas, se tornam naturalmente conscientes de sua responsabilidade socioambiental, tanto de proteção da floresta e como da importância da geração de empregos, instrumento sagrado de contribuição para o exercício da cidadania.
E atuar na Amazônia tem sabor de mistério e temor do sagrado. A região é tratada por alguns como o último jardim do mundo, e por outros como inferno verde ou paraíso perdido. A rigor, esta floresta guarda as respostas e soluções para – entre tantas outras demandas – a crise climática e para a preservação da biodiversidade. Ou seja, a complexidade, as promessas e as oportunidades da vida e de sua abundância a serviço da humanidade,
Por isso, quem investe, opera, pesquisa, dança, pinta ou compõe na Amazônia tem a sensação única de conviver com o mistério e a responsabilidade plena de proteger este santuário. Ou este tesouro de mil e um quilates que iluminam e sugerem – segundo as lendas que o traduzem – novos caminhos para a compreensão Humanidade, sua saúde e longevidade. Por isso é importante estudar, conhecer, debater, saborear e, por tudo isso, amar a Amazônia. Como integrantes deste universo mágico e de preciosidades culturais, é preciso alinhar e adubar os canais e as teias da interlocução. Todos interagindo com todos pois a compreensão da Amazônia e a valoração de suas potencialidades é a ante-sala da entronização civilizatória do país na galeria das grandes civilizações. A economia do Amazonas não é responsável pelo rombo fiscal do país e sim a melhor saída para um novo patamar de brasilidade e prosperidade geral.
(*) Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, pelo Jornal do Comercio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM, e coordenação editorial de Alfredo Lopes, consultor da entidade e editor geral do portal BrasilAmazoniaAgora.