11 de novembro de 2024

Três Cinco Quatro

Anderson F. Fonseca. Advogado. Professor de Direito Constitucional. Especialista em Comércio Exterior. IG: @anderson.f.fonseca

Manaus, a surpreendente Paris das Selvas, completou neste 24 de Outubro último seus 354 anos de existência. Cidade com muitos nomes, cheiros e sabores, capital do maior Estado de nossa Federação, dicotomia entre o antigo e o novo, sede de riquezas, algumas naturais outras nem tanto, local lembrado por seus encantos, por sua Zona Franca, por seus costumes, por seu povo hospitaleiro, por uma vida que se recusa a passar mais depressa, no compasso do rio que atravessa estas terras. Interessante lembrar um pouco dessa história nestes 354 anos para refletirmos o que hoje nos apresenta como desafio, como cidade, como urbe, como civitas.

Comecemos pelo nome, Manaus por muito pouco não foi batizada com outro nome, Barra do Rio Negro, isto ocorreu devido a dois critérios postos em jogo, o da localização geográfica e o que privilegiava a ocupação da área por indígenas, entre eles os Manaós. Com a criação da província do Amazonas em 1852, a cidade da Barra do Rio Negro tornou-se sua Capital e,em 1856, a Assembleia Legislativa Provincial sancionou a Lei que mudava o nome para Manaus.

O fato foi motivo de comemoração, como registrado em Setembro daquele ano  no Estrela do Amazonas, periódico da época: “todos acham o nome Manaós mais nosso, mais significativo”.  Uma escolha que privilegiou mais a referência indígena que até ali a  pouca história política e administrativa da Província e da sua Capital.

Impressionante notar que desde seu nascedouro algumas características insistiram em permanecer, naquela quadra histórica já era marcante a precariedade das ruas estreitas, muitas delas entrecortadas por igarapés, a simplicidade das casas e a preponderância dos pequenos comércios nos bairros. A camada populacional mais dispersa,  permanecendo boa parte do ano na floresta, dedicando-se às atividades de coleta, caça e pesca. 

Manaus nos idos de 1880 não era de modo algum objeto de admiração por parte da elite que aqui vivia, falava-se da cidade como uma “aldeia” e sonhava-se com um espaço urbano em tudo distante daquilo que evocava de mais forte: por toda parte a presença imponente da natureza. Próximo da Proclamação da República a cidade ainda acanhada, como que constrangida pelo rio por onde estava voltada.

Entre 1892 e 1896 durante a administração do engenheiro militar maranhense Eduardo Ribeiro Manaus foi transformada. O Código Municipal de 1893 fornece as indicações de uma cidade pensada como “moderna”, um artifício para aparição de uma nova sociedade, novos bairros previstos eram distintos inteiramente da versão anterior, ruas largas em traçado reto, trabalhos de canalização das águas dos igarapés, aterrados para que ruas avançassem em direção à mata. Foram implantados vários serviços urbanos: redes de esgoto, iluminação elétrica, pavimentação das ruas, circulação de bondes e o sistema de telégrafo subaquático que garantia a comunicação da capital com os principais centros negociadores da borracha.

A Manaus modernizada atendia então aos interesses particulares da burguesia e da elite dita “tradicional”, vinculada às atividades administrativas e burocráticas. Incluíam-se aí os recém chegados no final do Século XIX e início do Século XX: ingleses, americanos, libaneses, exportadores da borracha, médicos brasileiros, formando-se um conjunto ruidoso e cosmopolita.

Das iniciativas promovidas por Eduardo Ribeiro temos as bases de uma significativa alteração quanto às expectativas que se tem com a cidade: homens civilizados vivendo numa cidade encrustada na selva circundante, a modernidade trouxe a superação de um atraso histórico, doravante evidente pelo seu bem estar, prosperidade e conforto doméstico.

Não somente no aspecto urbano vimos mudanças, “na Manaus de antigamente, a vida era mais social”, a imagem da vida social a que nos referimos é aquela de convívio entre parentes, vizinhos, amigos e estrangeiros, as novas formas de sociabilidade entrelaçando-se com os antigos costumes, em Manaus, os encontros sociais parecem ter sido marcados (e incrivelmente parece que permanecem sendo) pela necessidade de reconhecimento mútuo e de afirmação de identidade.

Inobstante, ainda guardamos aspectos familiares, a família de famílias, hoje cada vez mais disperso mas ainda resistente a cultura de criar-se juntos filhos de vizinhos, uns nas casas dos outros, o significado do respeito aos mais velhos, a benção pedida aos avós, pais e tios, consanguíneos ou não, formação de uma identidade tão coletiva quanto individual.

Hoje desafios outros inundam nossas vidas, em seu aniversário penso que os presentes para cidade poderiam ser melhores, vivemos em tempos de ansiedade com uma reforma tributária que pode e certamente afetará nosso modelo econômico baseado quase que exclusivamente na Zona Franca, no aspecto ambiental nossa convivência dá-se em meio a fumaça de queimadas, desmatamento sem igual, seca tal qual não se tem notícias em anos, somando-se a isso a evidência de claro isolacionismo geográfico e porque não dizer também político.

Problemas que víamos somente em “outras pairagens”já estão também em nossa aldeia, ataques à crianças em escolas, aumento do número de violência a ponto de chegarmos ao  ranking de ser a terceira capital mais violenta do país, abulia para inovação e negócios, necessidade de importar até aquilo que nos é mais significativo em matéria culinária, itens como o peixe, o favorito tambaqui, tendo que vir de Rondônia para abastecer nossas mesas, cheiro-verde do Ceará, falta de incentivo ou melhor quem sabe o excesso de incentivo, dos chamados benefícios sociais, a  deixar o caboclo à mercê dos ofertantes da vez e o tiram da produção.  

O que pensar então dessa Manaus com histórico tão singular nestes 354 anos? Qual a Manaus que temos e qual a Manaus que queremos?

Singularmente se tivéssemos que pensar em uma Manaus do presente, pois para chegarmos ao futuro precisamos hoje enfrentar estes desafios, penso ser importante não esquecer de onde viemos e quem somos, refletir e ressignificar nosso papel, nossa atuação enquanto cidadãos, formadores de opinião, eleitores, construtores de uma cidade que chega até aqui e ainda tem muito a encantar e mostrar ao mundo, não acreditando em soluções de ocasião cuja tinta com o tempo se esvai mas sim firmados na sustentação de que é nossa responsabilidade continuar o legado Manauara para gerações que ainda virão. 

Anderson Fonseca

Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM

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