Ao final do segmento anterior desta crônica seriada (Parte 1), discorreu-se sobre o confinamento recomendado oficialmente no reduto doméstico, ou quarentena horizontal, agora contínuo, despicienda alusão sobre a patogenia insidiosa em curso, negue-se nomeá-la eis que menção já cansativa, não? Sucede, por outra, tal morbidade levou ao impulso de acolher-se gratas lembranças caseiras dos singelos tempos idos abandonados na memória então trazidos dos sótãos e porões de todos por força do convívio permanente a que acima se fez alusão. Afastada a dor de um nunca mais? …
Parece que sim. Olha só, lembranças de tantas quadras juninas. Lá vem as danças das quadrilhas, sob olhares curiosos, chances pra bolinar as cunhantãs até onde deixavam, umas mais outras menos, – ah, aqueles vestidos caipiras de saias abertas! Certa vez deu pra ver uma calcinha verde. Verde, que te quero verde! Deu-se que uma topou ir conversar atrás do barracão. Foi um diálogo e tanto…
Foguetes, fogueiras de lenha e carvão em chamas crepitando labaredas e brasas para inspirar prendas e adivinhações, sempre com a escolha de compadres e afilhados, tudo sob fumaça e iluminação ao redor, onde se punham as bancas de tacacá, caldo de cana, aluá, milho verde, banana frita, bolo de macaxeira, mungunzá, tapioca, mingau de banana pacova, bolo podre, vatapá e outras iguarias da época. Água na boca!
E os bois-bumbás? Falemos dos dois rivais, um branco outro preto. Disputa pelas apresentações em frente às casas das famílias que contratavam um ou outro para mostrar toda a saga, desde as danças reboladas a cargo do miolo assim chamado o que se punha embaixo do boi, as toadas, morte e venda da língua bovina toda enfeitada com confetes, brilhando e posta numa bandeja. Adiante o ressuscitar pelas mãos do médico, curandeiro, além de pai Francisco, Catirina, vaqueiros, rapazes, índios, tudo sob as ordens do amo, o coordenador da teatralização dramática, com roteiro e tudo.
Na rua, as brigas pelo mercado de exibições remuneradas. Davam-se como esperado batucadas que já se ouviam ao longe, mas aproximando-se, já já chegando. Com certeza para embate feroz se próximos, vem chegando os bois Corre Campo e Mina de Ouro, currais em Educandos e Bulevar Amazonas, nesta ordem, principais antagonistas quando nos fortuitos encontros na cidade então ardiam dantescas batalhas urbanas a ferro e fogo. Porrada Grossa! Até já morreram alguns! Um Deus nos acuda!
Tipo certa noite conta um menino ter visto o Corre Campo – alvo rubro – apontar numa rua e credo! não bastasse, como temido em sentido contrário mesmo ainda distante mostrar-se a batucada do Mina de Ouro, vem que vem – todo preto aveludado – quando se viram ambos aumentando as batidas dos tambores de guerra, rivais enfeitiçadas de um lado pela Mãe de Santo Joana Galante e pelo outro o Pai de Santo Sete Vidas.
Desafios de guerra cada “sai da frente contrário que eu quero passar!” Em seguida a batalha, restando ossos quebrados e sangue, em plena Primeira Ponte na Av. 7 de Setembro, quase em frente ao Palácio Rio Negro, sede do Governo Estadual, uma das construções da belle époque, cujos sentinelas, se diz só fizeram olhar, trêmulos, e trataram de chamar a manduquinha assim apelidava-se o veículo da polícia, e de quebra a ambulância, quem sabe por precaução o rabecão…
Consta ainda o moleque assustado expectador ter conseguido agasalhar o boi de veludo preto na garagem de sua residência ali bem próxima, onde ficou acariciando a prenda até o fim do combate, valendo-lhe o gesto generoso ao boi preto afasta-lo de qualquer questionamento racial para o resto da sua vida. Nem se fale! (Continua).
*Bosco Jackmonth é advogado (OAB/AM 436). Contato: [email protected]
Fonte: Bosco Jackmonth