A assim chamada direita brasileira – uma vasta rede de movimentos, organizações e crenças, ideologicamente fragmentada e desafinada do ponto de vista de uma ação política orquestrada de longo prazo – é a maior novidade da política brasileira nos últimos anos.
Valer dizer que o sistema político brasileiro orbitou, desde a redemocratização, nos eixos PMDB-PSDB-PT. É certo que a nova direita (liberais e conservadores de incontáveis colorações ideológicas) passou bem longe do radar analítico da maioria dos analistas políticos ainda condicionados à antiga dinâmica coordenada pelas forças políticas impulsionaram a nova democracia e o processo constituinte.
De certa maneira, a palavra direita ainda está contaminada por uma enorme carga de preconceitos e fobias. Um direitista no Brasil era e ainda é, em muitos casos, automaticamente associado às ideias extremistas: racista, autoritário, fascista e nazista, in extremis.
Esse estereótipo ainda é usado na guerra linguística (infowar), especialmente, em redes sociais e ambientes universitários mundo afora. Acusar o seu opositor político de “fascista” ou “nazista”, in extremis, é prática bem comum, pois o insulto, por si só, traz consigo um apelo irracional e afetivo da luta política. O rótulo de nazista funciona perfeitamente à medida que tomamos conhecimento de todas as atrocidades daquele regime belicoso e genocida (vide a Lei de Godwin).
Sendo objetivo no meu entendimento: o nazismo não foi de esquerda nem de direita. O nazismo foi um movimento revolucionário. Na ciência política sartoriana, esquerda e direita são, a partir da revolução francesa, espectros ideológicos da polarização partidária de uma sociedade; são clivagens ideológicas que comportam os conflitos políticos de uma dada sociedade. Ou seja, a polarização só é possível num sistema partidário relativamente coeso e integrado.
Assim, podemos concluir que nazismo não foi um partido político criado para concorrer legalmente em eleições livres e idôneas para todo o sempre, tendo como meta o esforço de dar vitalidade e representatividade às instituições políticas. Pelo contrário, os nazistas se comprometeram, e cumpriram a promessa, de sabotar o consenso alemão do pós-guerra, no caso a constituição da República de Weimar (1919) e os acordos de Versalhes (1918). O nazismo é revolucionário à medida que quer criar uma nova sociedade e um novo homem.
Como fenômeno político concreto, o nazismo tombou em 1945 nos escombros da Segunda Guerra Mundial, todavia o insulto ainda tem carrega uma simbologia marcante, uma carga afetiva e irracional no debate público em diferentes esferas.
A direita brasileira nunca foi simpática ao nazismo, o que seria o contrassenso existencial e histórico, dada a nossa origem mestiça. Apesar de Getúlio Vargas ter nutrido uma admiração pessoal por Hitler, e o movimento Integralista de Plínio Salgado ter sido uma caricatura dos Camisas Negras de Mussolini, a direita brasileira não aderiude corpo e alma ao projeto totalitário do século XX.
A direita brasileira foi fundamentalmente conservadora e liberal, em diferentes momentos e tonalidades. Manteve-se conservadora na visão autoritária (rupturas institucionais e golpes), tradicionalista (apego ao passado, às raízes ibéricas e escravocrata), positivista (ordem e progresso) e personalista (patrimonialismo, coronelismo e outras forma de mandonismo local).
A fase liberal abraçou o internacionalismo naïve, o americanismo ideológico e pragmático, a globalização assimétrica e o monetarismo neoliberal. O esboço do esquema liberal-desenvolvimentista foi sufocado por conta do peso do Estado leviatânico na formação da nacionalidade. Liberalismo no Brasil foi um fenômeno episódico, pontual e raro; foi uma exceção, nunca a regra aplicada no experimento institucional.
Nos últimos anos, duas tendências reacionárias passaram a orbitar com mais regularidade os momentos de direita: monarquistas e intervencionistas. Ambos desejam reviver um passado ideal, onde as coisas era perfeitas, justas e belas; no passado, o Brasil deu certo – dizem os reacionários. Um traço característico do reacionarismo é justamente o seu apelo a idealização do passado; um passado cheio de virtudes heroicas. Assim, o Império ou o Regime Militar reluzem a imagem do Brasil potência, cheio de glórias e protagonista no mundo.
Viver existencialmente preso ao passado me parece um erro de percepção imperdoável. Ordens sociais, processos políticos e dinâmicas culturais não são objetos laboratoriais passíveis e manipulação e rígido controle das variáveis. Toda tentativa de se recriar uma sociedade inteira a partir de um projeto ideológico beira a insanidade gnóstica.
E é justamente aqui que revolucionários e reacionários se equivalem: não conseguem ver o que está diante dos seus olhos. Reacionários estão presos ao passado, ao passo que os revolucionários fanáticos estão presos no futuro, no devir histórico, no outro mundo possível. Ambos caíram na enigmática arapuca humorística de Groucho Marx (o único marxismo que ainda insisto em acreditar): “você vai acreditar em mim ou nos seus olhos?”