Ao contrariar o “discurso uníssono” de um aquecimento global, uso o conceito que considero mais correto: atravessamos um período na história do Planeta de mudanças climáticas e seus fenômenos extremos.
Minhas convicções como bacharel em Geologia e a leitura e audiência dos artigos científicos e posicionamentos públicos do Pesquisador e Professor Dr. Luiz Carlos Molion, levaram-me – e ainda levam – a defender a tese da Terra como um “organismo dinâmico”, que, ao se transformar, natural e ciclicamente, nos permite vivenciar tempos de eventos climáticos críticos.
Mas devo discordar do discurso determinista de Molion que nega o ser humano como um agente de transformação geológica, relativizando o papel do bioma amazônico e sua floresta de dimensões continentais em pé na importância climática global e do território sul-americano.
Há de se diferenciar, no caso da Amazônia, até onde vai o discurso panfletário “para inglês ver” e o discurso científico contemporâneo.
Com os avanços tecnológicos estamos conseguindo viver mais. A exceção da Rainha Elizabeth, que, respeitosamente, parece “desrespeitar as regras comuns”, 100 anos de vida são mui insignificantes comparados à idade planetária, de 4,5 bilhões de anos.
É nesse intervalo curtíssimo de tempo geológico que nossas vidas contemporâneas têm presenciado chuvas volumosas concentradas, secas prolongadas, temperaturas recordes de 49,5 ºC (observadas recentemente no verão canadense) e de mais de 17 ºC (em regiões polares), frio intenso com temperaturas inferiores a -40 ºC (paralisando grandes metrópoles econômicas norte-americanas em 2019) …
São eventos que, críticos e cada vez mais recorrentes, nos chamam a atenção para uma necessidade comum: a resiliência de nossa civilização só poderá ser alcançada, num mundo de tantas desigualdades, a partir de acordos de governança locais, regionais e globais pactuados numa economia e sociedade responsáveis e solidárias.
No Brasil, uma equação precisa ser respeitada: sem água e floresta = sem energia hidroelétrica.
O apagão que o Brasil viveu no governo Fernando Henrique (2001) e que nós, no Amazonas, sentimos os efeitos do racionamento e falta de energia muito antes, desde 1995, bate de novo às nossas portas.
A presença do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em cadeia nacional anunciando os desafios que se apresentam a partir do pior indicador do mês de maio na série histórica do Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS), acende o sinal vermelho: já falta água em nossas barragens para gerar energia.
Considerando a forma como o Brasil vem tratando suas florestas, ou passamos a respeitar o Ciclo das Águas, aquele conceito científico que aprendemos na Escola nas aulas de Ciências, ou caminharemos juntos às consequências do caos e de escolhas genocidas.
Além do pedido ministerial pelo uso racional da água e energia, falta ao discurso federal a urgente consciência de conservação e recuperação estratégicas das matas ciliares, da cobertura vegetal no entorno dos reservatórios nacionais de água e das florestas amazônicas.
Se as mudanças climáticas pressionam os diversos ecossistemas naturais e artificiais, o papel da floresta no amortecimento dos impactos é condição inquestionável.
A escolha política e histórica pela preservação da floresta amazônica (a Amazônia representa 60% do território nacional) permitiu a pujança econômica no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. O equilíbrio ecossistêmico do bioma empurrou, e vem empurrando, no tempo geológico, um volume necessário de umidade (os “rios voadores”) que transformou o destino nacional e sul-americano de uma geografia árida.
Foram e são as águas do Norte que deram e dão a energia necessária aos arranjos produtivos e desenvolvimento nacional.
Infelizmente, senhor Ministro, já estamos acordando tarde.
Matamos quase toda a Mata Atlântica e estamos perdendo as batalhas no Cerrado, no Pantanal…
Na Amazônia, ao desrespeitar as nossas origens, estamos esquecendo que coube à cultura e saberes indígenas uma escolha econômica: plantar florestas nos últimos 12 mil anos.
E, a prosperidade alcançada por nossas populações ancestrais e a poupança patrimonial preservada dos recursos hídricos e da biodiversidade em seus territórios, que ainda dispomos sob a tutela brasileira, precisam de um olhar estratégico e de mais valia da sociedade como um todo.
O desmatamento criminoso na Amazônia e no Brasil continental economicamente desenvolvido, incentivado desde 2019 pela desregulamentação dos sistemas de controle ambiental, corrói a resiliência dos nossos sistemas de infraestrutura e amplia a fragilidade dos cenários sociais e econômicos pós-pandemia.
A fala do ministro do MME destaca que o Brasil apresenta-se num cenário de crise de energia elétrica. Portanto, num momento de retomada econômica, resta-nos pagar mais caro a conta de energia, economizando-a e usar com parcimônia a abundante, ora mal distribuída, água.
No século 21 das mudanças climáticas, a terceira crise em duas décadas expõe a vulnerabilidade e dependência da sociedade brasileira e sua matriz energética ao clima, às águas e aos ecossistemas florestais em equilíbrio.
Ao tempo em que o Congresso Nacional aprova à privatização no Setor Elétrico, assim como fez com a PETROBRAS no governo Dilma, não percebo nas discussões parlamentares e do Governo Federal quaisquer análises da capacidade do mercado das “mãos invisíveis”, dos acionistas de interesses personalistas, especuladores e/ou ”bem-intencionados”, em prover a segurança energética à economia nacional e qualidade de vida de nossas populações.
Os desafios à construção de uma matriz elétrica mais equilibrada, diversificada, universal e segura soma-se à discussão do papel do Estado na condução de temas estratégicos como o dos recursos hídricos, das florestas, energia.
Ainda nos é muito viva a lembrança do apagão no Amapá, em plena pandemia e eleições municipais de 2020.
No caso amapaense, teria o ente privado respondido de forma responsável?
Há temas que são de governos, outros, do Estado, especialmente quando a equação brasileira impõe: sem água e floresta = sem energia hidroelétrica.