Neste momento escrevo o artigo semanal a bordo de uma lancha que nos leva de volta à cidade de Eirunepé. Singramos as águas do rio Gregório, onde estivemos acompanhando atividades desenvolvidas pela UBS Fluvial do Município de Eirunepé nas comunidades ribeirinhas. Dentre estas , uma valiosa ação de prevenção ao câncer de colo de útero, com a coleta em meio líquido de material ginecológico para exame e detecção de HPV, o processo patológico que pode se desenvolver num perigoso câncer que tem ceifado as vidas de centenas de mulheres amazonenses, principalmente do interior do estado.
Na UBS fluvial de Eirunepé, pude observar o trabalho dedicado da equipe intersetorial de saúde- médicas, odontólogos, enfermeiras, técnicos de enfermagem e auxiliares, além da tripulação da embarcação, no atendimento às populações ribeirinhas. O próprio prefeito municipal, Raylan Barroso, presente e atuante na viagem, com ações sociais complementares e bastante diálogo com os comunitários. Algo que me remeteu à lembrança das ações que liderei – em condições técnicas mais limitadas na época – quando fui prefeito de Envira, município vizinho de Eirunepé.
Sou estudioso das questões de saúde pública no contexto amazônico desde meus primeiros anos em Envira. Cheguei a cursar uma especialização na área e a ler diversos textos , mas foi a partir das minhas atividades como gestor , audiências públicas, oitivas e diálogos com profissionais e usuários do sistema de saúde que pude compreender melhor a realidade contextual do Sus no nosso estado de dimensões continentais .
De fato, a atenção primária evoluiu no Amazonas, mas ainda carece de um melhor planejamento integrado e ações compartilhadas entre os três entes de governo. No caso do Amazonas, o próprio Governo do Estado deveria focar muito mais no suporte complementar às ações de atenção primária desenvolvidas no interior do estado, que se forem devidamente implementadas podem preventivamente evitar muitas mortes, sofrimentos e altos custos de internação hospitalar na capital. Ou seja , a responsabilidade de execução dessas ações de atenção básica deve continuar com os municípios , mas estas ações precisam ser mais apoiadas com recursos técnicos e financeiros do Estado, que dispende com elas meio de 0,5% do orçamento da SES! Trata-se de ampliar um investimento estratégico e inteligente que , no fim das contas , por seu caráter preventivo, economizará recursos financeiros do próprio governo estadual , além de evitar muito sofrimento dos interioranos e gastos excessivos das Prefeituras. Evidente que se trata de reforçar não apenas a atenção primária, mas também a secundária do interior.
Enquanto isso não acontece, as populações interioranas ficam à mercê dos bons ou maus gestores que elegeram. No caso de Eirunepé a gestão atual demonstra um interesse genuíno na promoção da saúde, tendo como exemplo o número expressivo de profissionais que atuam no município e as diversas ações desenvolvidas na cidade e, principalmente, nas regiões ribeirinhas.
Sobre o projeto de prevenção ao câncer de colo de útero de mulheres ribeirinhas, tivemos a grata satisfação de contar com o aporte de uma emenda parlamentar de 300.000 reais por parte do deputado estadual Serafim Correia , que atendeu nossa solicitação quando eu atuava como coordenador do Programa de Saúde na Floresta – PSF, da Fundação Amazonia Sustentável. Além disso, a orientação técnica para a Secretaria Municipal de Saúde tem sido efetivada pela Dra Mônica Mello, a mais renomada médica especialista na prevenção e tratamento do câncer do colo de útero no estado do Amazonas. Este trabalho não se resume na valiosa coleta em meio líquido – a mais avançada técnica para diagnóstico de HPV, mas também em ações de tratamento para as mulheres que necessitarem de colposcopias. Assim deverão ser evitados diversos desenvolvimentos de processos cancerígenos de alta letalidade em mulheres com HPV, que não precisarão se deslocar para Manaus em busca de tratamento no Cecon.
Aos governantes e secretários estaduais de saúde tem faltado a percepção e/ou compromisso de efetivamente desenvolver uma ampla política de saúde pública preventiva em parceria com os municípios do interior , não apenas em relação ao câncer de colo de útero, de mama, de pele e de próstata, mas também aos problemas decorrentes da diabete e da hipertensão, bem como dos agravamentos renais e hepáticos, dentre outras mazelas que afetam tantas pessoas nos municípios do Amazonas.
Ao escrever este artigo no meu celular não posso deixar de reconhecer o papel fundamental de bons gestores e de equipes profissionais de saúde no interior- como é o caso de Eirunepé. Mesmo nos municípios cujos prefeitos pouco valorizam a saúde da população – seja por ignorância e/ou desumanidade – os profissionais minoram o sofrimento da população , com sua valiosa dedicação.
Dentro da Resex do Rio Gregório nos deparamos com conterrâneos que também merecem uma atenção de saúde eficaz e humanizada! São os valoros “guardiões” da nossa biodiversidade. Pessoas simples, trabalhadoras e sofridas… Seres humanos. Nossos irmãos.