2 de novembro de 2024

Reconstrução da agenda internacional do Brasil

Breno Rodrigo de Messias Leite*

As transformações profundas no sistema internacional estão reposicionando os países do tabuleiro do poder global. O derretimento da ordem unipolar forjada logo após o fim Guerra Fria, até o momento, abre uma janela de oportunidade única e inédita para a emergência de novos atores internacionais, outrora relegados à condição de periféricos, na competição para uma nova ordem multipolar. Vale notar que a ordem multipolar emergente é altamente conflitiva, pós-ocidental e coordenada por potências regionais. A própria concepção de um Sul Global — unidade de análise e concepção geoeconômica — serve principalmente para discernir os países emergentes das potências econômicas e políticas do Hemisfério Norte.

É neste cenário de rápidas e incertas mudanças no sistema internacional que o Brasil busca o seu lugar ao sol. Claro que a tarefa dos estrategistas da política exterior brasileira — políticos, diplomatas e militares — não é uma operação de fácil execução. O processo decisório não depende única e exclusivamente dos agentes responsáveis pelo processo decisório nos diferentes níveis do Estado nacional. Muito do que se projeta e se decide em política externa depende do projeto e da decisão de terceiros, isto é, de países com substantiva capacidade de alterar o status quo da política internacional ao combinarem inteligência diplomática e poder militar nas relações internacionais.

Fatores conjunturais e estruturais, domésticos e internacionais, uma vez somados, propiciam uma percepção mais congruente acerca da relação do Brasil com o mundo, tendo em vista as suas necessidades internas e a sua projeção de poder em nome do interesse nacional. Assim, com o intuito de definir as principais variáveis da agenda internacional, farei uma análise em dois níveis levando em consideração os fatores internos e externos. 

Por fatores internos, deve-se pensar na ordem interna, na unidade estatal e na coesão social capazes de assegurar a paz social. Estado, governo e sociedade precisam formar coalizões inclusivas e representativas. A ação coletiva pode funcionar como um elemento estratégico de cooperação no provimento de bens públicos. A produtividade do capital social ampliado restringe substantivamente os custos de transação, fortalece a capacidade fiscalizadora e o poder de agenda dos grupos de interesses especiais. Uma vez restaurado o equilíbrio do jogo institucional, a responsividade e a prestação de contas qualificam a arena decisória governamental.

Uma vez recuperada a capacidade das prerrogativas decisórias do governo, deve-se pensar num grande projeto de integração nacional. Certamente, o principal eixo para uma política de integração nacional é definido pela estratégia de desenvolvimento econômico para o país, como um todo, e para as regiões, em particular. Pensar o desenvolvimento econômico regional associado às cadeias produtivas globais é um desafio enorme para o Brasil e para os parceiros emergentes. Para além do agronegócio, é de fundamental importância a retomada da industrialização, da abertura comercial e do investimento no complexo logístico.    

Quanto aos fatores externos, o Brasil precisa elencar as suas prioridades. E de todas as prioridades da política externa, a agenda regional é a mais factível no curto para médio prazo. A agenda regional precisa ser dividida em duas linhas convergentes. A primeira tem como objetivo a agenda sul-americana, sobretudo o MERCOSUL, UNASUL, OTCA e o estreitamento da parceria com a Argentina (o maior parceiro comercial da região) e a Venezuela (nação que concentra as maiores reservas petrolíferas do mundo). Concomitantemente, o Brasil tem todas as condições de voltar a ser uma liderança latino-americana ao lado do México.

Ampliação da parceria estratégica com a África, sobretudo com os países luso-africanos via Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), é outra escolha fundamental para a estratégia de inserção internacional. Para além das relações étnicas, raciais e históricas, o Brasil conseguiu, ao longo do tempo, estabelecer suficiente espaço diplomático, comercial e humanitário com o continente. A África tem um significado espacial para a política internacional do Brasil.

As relações do Brasil com os Estados Unidos e a União Europeia estão bem desconfortáveis desde o início do conflito armado na Ucrânia. A postura de equidistância Brasil tem incomodado as autoridades norte-americanas e europeias. A retomada do diálogo com os países da OTAN e a defesa de uma solução pacífica das controvérsias em assuntos de guerra e de paz — alinhada às resoluções da ONU — é a linha mestra da diplomacia brasileira.

O Brasil também negocia com a China e a Rússia. A rivalidade sistêmica entre os dois blocos de poder — EUA, UE e OTAN em oposição ao bloco coordenado por China e Rússia — não pode paralisar a política externa brasileira. Aliás, o Brasil não pode aceitar qualquer proposta de congelamento do poder global. A causa brasileira é absolutamente multilateral e multipolar; nunca submetida a superpotências ou blocos de poder estranhos aos interesses nacionais.

Entender os desafios globais é uma tarefa árdua. Qualquer decisão precipitada pode resultar na atração dos conflitos internacionais para fronteira adentro. Saber posicionar os interesses do Brasil no mundo requer uma profunda meditação sobre a nossa identidade nacional e internacional. E, como toda meditação é uma ação intransitiva, ela só poder ser feita por nós mesmos.    

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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