14 de outubro de 2024

Prototipagem e aprendizagem

Inúmeros projetos de inovação tecnológica fracassam porque desconhecem a curva e o processo de aprendizagem. O fracasso é materializado, na maioria das vezes, como abandono do projeto inicial porque algum fator presente em algumas das etapas do processo de aprendizagem se fez tão poderoso que, devido ao desconhecimento da equipe, se tornou insuperável, levando à suposta inevitável renúncia à sua continuidade. É necessário que se saiba que a prototipagem está sujeita a essas duas sistemáticas da aprendizagem humana. A curva de aprendizagem pode ser definida como a evolução temporal da estruturação mental de algum esquema lógico de funcionamento da realidade. Isso significa que o fator tempo e aquilo que nele acontece é fundamental para que a materialização do conhecimento em forma de artefato físico aconteça. É essencial, portanto, que se conheça como a aprendizagem evolui. Por sua vez, o processo de aprendizado pode ser definido como as etapas que precisam ser percorridas para que um esquema lógico saia do campo visual, da externalidade, e se acople ao campo mental de um ou vários indivíduos. Sem que haja aprendizagem, dificilmente a prototipagem será bem-sucedida.

Embora haja prototipagem rápida, que é aquela em que os conhecimentos necessários já estão disponíveis e o processo de materialização já foi testado previamente e aprovado, as grandes inovações são marcadas pelo ineditismo. Isso quer dizer que não há os conhecimentos prévios necessários (é preciso construí-los) e tampouco um método ou procedimento de materialização do artefato pretendido (é preciso inventá-lo). Para que as construções e invenções se efetivem, é preciso trilhar um caminho que começa com a aprendizagem lenta, como se os membros da equipe tateassem um ambiente escuro, desconhecido, que é a etapa marcada por um aprendizado lento, quase sempre inconsciente, que coloca em plano inquestionável a inaptidão de todos para a geração tecnológica. Aqui a inaptidão, decorrente do baixo nível de aprendizado, é inconsciente. À medida que o tempo passa e a equipe se esforça nos estudos e testes, a aprendizagem vai se acumulando, se lapidando e se consolidando, marcando a chegada e o estabelecimento de um segundo estágio ou nível de aprendizado. Aqui, muita coisa já foi aprendida, descortinada, assim como procedimentos já foram alvo de sucessos, pelo menos nas fases iniciais, que mostram para os membros da equipe que ainda estão distantes da materialização da tecnologia pretendida. Esta segunda etapa é marcada pela inaptidão consciente, de forma que os cientistas estão convencidos de que não sabem ainda como chegar ao objetivo pretendido.

O tempo é inexorável. E, com ele, o acúmulo do aprendizado, principalmente quando a equipe se esforça para tal, como é o caso quase sempre dos times de geração tecnológica. Mais cedo ou mais tarde os conhecimentos vão se tornando suficientes para desvendar quase todos os meandros da tecnologia que se pretende materializar, cuja comprovação tácita e explícita é o próprio avanço na materialização do artefato. É nessa terceira fase que praticamente todos os obstáculos são superados e a tecnologia finalmente é concluída, testada e aprovada. Aqui há a aquisição da competência efetiva, consciente, para reproduzir o processo de geração da tecnologia inventada. Quando esse processo é feito e refeito inúmeras vezes, a reprodução da tecnologia se parece muito com o hábito de andar de bicicleta: é praticamente automático, quase sem pensar ou se questionar. Quando isso acontece, adentra-se à quarta e última etapa da curva de aprendizagem, marcada pela competência inconsciente porque os membros da equipe têm a impressão inconsciente de que têm aquela habilidade desde sempre. É neste instante que a aprendizagem se acopla ao corpo mental, além do corpo cerebral.

Mas o que faz com que essa aprendizagem aconteça? Dito de outra forma, como é que a curva de aprendizagem acontece, na prática, uma vez que ela é apenas a representação matemática e gráfica do que acontece no cérebro e na mente? Todas as teorias da aprendizagem parecem sinalizar a existência de quatro etapas que necessariamente precisam ser percorridas para que o aprendizado se instale no corpo mental, para que se pareça com o aprendizado de natação ou andar de bicicleta. A primeira etapa é o entendimento de um determinado esquema lógico, como o fato de que os investimentos em educação provocam a redução da criminalidade. A lógica é essa: há uma relação inversamente proporcional entre a quantidade de recursos (não apenas dinheiro) investidos em educação e a quantidade crimes praticado pelos habitantes de determinada localidade. A segunda etapa é o teste e inúmeros retestes desse esquema lógico. Quanto mais os testes e retestes dessa “verdade” for feita, mais consolidado será o aprendizado no corpo cerebral do indivíduo. Cada repetição é como se fosse um sulco cada vez mais profundo escavado no solo cerebral. A etapa seguinte é a necessária produção de alguma coisa com o esquema lógico testado e retestado dezenas ou centenas de vezes. Essa produção é fundamental para que o aprendizado, pouco a pouco, migre do cérebro para o corpo mental. Quanto mais produção for feita, mais e mais consolidado será o transporte do aprendizado do cérebro para a mente. A última etapa é a socialização da produção, para que outras pessoas possam avaliá-la, tanto positiva quanto negativamente. As avaliações negativas são riquíssimas para o aperfeiçoamento do protótipo, enquanto as positivas permitem o alcance de padrões cada vez maiores de qualidade e satisfação.

Os esforços de prototipagem não podem ser tomados apenas como um desafio de suprimento de necessidade de outros, clientes, usuários ou consumidores. Esse pensar, apesar de trazer algum sucesso, tem o fardo de levar à desmotivação rápida diante do primeiro fracasso de prototipagem. E os fracassos de prototipagem tendem a ser maiores justamente no início justamente porque há pouco conhecimento e quase nenhuma habilidade. As curvas de aprendizagem e o processo de aprendizagem são esquemas lógicos científicos que ajudam a mostrar que o sucesso do protótipo e da prototipagem é uma estrada que pode ser construída por qualquer cientista.

Daniel Nascimento

É Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Amazonas (IFAM)

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