4 de outubro de 2024

Pós-verdade

No Brasil atual existe uma confusão muito grande quanto as palavras verdade, liberdade, ética. Muita gente, talvez por não possuir o hábito do questionamento, acha que liberdade é fazer o que quer; que ética é a mesma coisa que moral e que verdade é igual a opinião. Por isso, pretendemos esclarecer nesse artigo que não existe meia verdade, meia liberdade, meia ética. 

Estudiosos afirmam que a era da pós-verdade é caracterizada pela mentira, pela falsidade. Por notícias falsas que circulam rapidamente pelas redes sociais e que pautam atitudes e comportamentos de muita gente. Por pessoas que acreditam que são donos da verdade; que não respeitam as opiniões alheias, que preferem, como diz aquela antiga máxima: “Amaldiçoar a escuridão do que acender uma vela”. Tudo isso forma o retrato de uma sociedade da era da pós-verdade.

Por esses e por outros motivos, é urgente e necessário entender que a verdade não pode ser reduzida a mera opinião. Que a vida humana não pode ser reduzida a mera especulação materialista. Que nenhum ser humano pode ser usado como meio para algum fim, principalmente político e de poder. Que a vida humana transcende a pura materialidade. Que boato não é fato. Que ser livre não é sair por aí xingando e ameaçando pessoas, autoridades, governadores, ministros, etc.; e achar que está tudo bem, que nada vai acontecer. Não. Liberdade e responsabilidade andam sempre juntas, de mãos dadas. 

Não existe liberdade sem responsabilidade. Todos nós temos direitos e deveres. Um dos nossos direitos é exigir que o governo cumpra aquilo que é de sua responsabilidade. E um de nossos deveres é pagar os impostos. Quando essa inter-relação não está bem, abre-se espaço para os conflitos, os xingamentos, as ameaças e até para a violência. Ninguém gosta de ser ameaçado, xingado. Ninguém gosta de ser desrespeitado. Nós gostamos mesmo é de humanidade!

Não é que as pessoas e as autoridades são imunes à reclamação e a acrítica. Ao contrário, todos têm o direito de criticar, reclamar, opinar, discordar. Mas eu não posso, como cidadão, habituar-me apenas a xingar e ameaçar sem querer responder por tais atos. Conforme o Código Penal Brasileiro, no artigo 147, ameaça é crime com “detenção de um a seis meses ou multa”.

Por que algumas pessoas se acham no direito de xingar, ameaçar e não querem responder por esses atos? Será que essas pessoas se acham melhores e superiores? Não somos todos iguais perante a lei? O que acontece na cabeça de uma pessoa que se acha melhor e superior ao outro? O que Freud diria para uma pessoa dessa? As perguntas continuam. Por que algumas pessoas pensam que ameaça e xingamento é liberdade de expressão? Será que vivemos numa era da pós-verdade? 

De toda sorte, para mim, a palavra liberdade é a mais linda do mundo. Não pelo som, muito menos pelo desenho, mas por tudo que ela significa. Sempre ensinei para os meus alunos que a liberdade é o bem maior do ser humano. Uma pessoa livre é uma pessoa agraciada. Não existe vida sem liberdade. Tudo começa pela liberdade. Ser livre é amar a si mesmo. No entanto, Martin Luther King já alertou: “A liberdade jamais é dada pelo opressor, ela tem que ser conquistada pelo oprimido”.

Como cidadão, eu não posso ficar parado, de braços cruzados, apenas exigindo que o governo faça a parte dele. Eu tenho que entender que política é uma ação coletiva, que visa o bem comum, que todos sejam atendidos em suas necessidades de moradia, de transporte, de segurança, de trabalho, de cultura, de esporte, de lazer, de alimentação, de saúde, etc. O povo precisa entender que os nossos direitos não veem pelas redes sociais, pelo WhatsApp, por e-mail. Os nossos direitos só se conquistam pela luta e, muitas vezes, com derramamento de sangue, infelizmente!

Em suma, todo ser humano quer e deseja ser livre, ir e vir, mas poucos estão dispostos a lutar por eles. Muitos se acham no “direito” de xingar e ameaçar, mas poucos estão dispostos a pagar por seus crimes. Portanto, é preciso lembrar aqui três coisas, que aliás já foram ditas acima: 1) não existe liberdade sem responsabilidade; 2) ameaça é crime previsto em lei; 3) “A liberdade jamais é dada pelo opressor, ela tem que ser conquistada pelo oprimido”. 

Por fim, e não menos importante, a liberdade possui um local privilegiado de vivência: a nossa mente. Nela temos o poder, o dever e o direito de não aceitar as falsas notícias, os políticos corruptos, falastrões, canalhas… Na nossa mente devemos cultivar apenas a verdade, o amor, o respeito, a fé. Nela os pensamentos têm asas e nada os detém! Não há grades, correntes, impossibilidades. Tudo podemos nesse lugar, até fazer poesia. Eu, por exemplo, que não sou poeta, arisquei uma aqui para concluir este texto: 

Eu quero… 

Liberdade para viver e amar; 

Liberdade para andar e pecar; 

Liberdade para rir e chorar; 

Liberdade para pensar e criticar.

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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